Marcelo Guimarães Lima em diálogo com Kevin Andrew Heslop - Parrotart.io - outubro 2024

 


Marcelo Guimarães Lima, Cinnabar, digital painting, 2023

Publicação original:

https://parrotart.io/article/marcelo-guimar%C3%A3es-lima-in-dialogue-with-kevin-andrew-heslop


Marcelo Guimarães Lima, PhD, MFA, é artista visual (desenho, pintura, gravura), escritor e professor. Dirige o Núcleo de Artes do Centro de Estudos e Pesquisas Armando de Oliveira Souza (São Paulo). Lecionou História da Arte e Studio Art na University of  Illinois (EUA), Goddard College (EUA), American University in Dubai (Emirados Árabes); e, como professor visitante, entre outras instituições, no Art Institute of Chicago (EUA), Universidad Internacional de Andalucia (Huelva, Espanha), Universidad de Salamanca (Espanha), DePaul University (EUA), Canadian University of Dubai (Emirados Árabes).


Como bolsista da Fulbright, trabalhou nos estúdios de arte da University of New Mexico (EUA). Foi artista e acadêmico visitante na Universidade de Stanford e na Universidade Rutgers. Publicou artigos e ensaios em inglês, português, francês e espanhol sobre temas relacionados à arte contemporânea, à história da arte, educação artística, arte pública, filosofia e psicologia da arte. Dirigiu projetos de arte comunitária (desenho, pintura mural) com grupos nativos, jovens e minorias no Brasil, na Espanha e nos EUA.

Suas obras podem ser vistas em coleções particulares no Brasil, nos EUA, na Espanha, na França e nos Emirados Árabes Unidos; e em coleções públicas como o Museu de Arte Contemporânea da USP (São Paulo), Rutgers Center for Innovative Printmaking (New Brusnwick, NJ, EUA), Cabinet des Estampes BNF (Paris), Cabinet des Estampes (Genebra, Suíça), Centre Genevois de Gravure Contemporaine (Genebra, Suíça).

Atualmente, é orientador de estudos independentes e de dissertações no Institute for Doctoral Studies in the Visual Arts (Portland, Maine, EUA).

Esta conversa foi realizada via Zoom em 30 de novembro de 2023. Ela foi editada para maior clareza.

Kevin Andrew Heslop: Gostaria de saber sobre seu início. Como foi sua infância no Rio, o que significou para você, o que você passou a entender sobre o lugar a partir das suas inúmeras viagens. Às vezes, sinto que só é possível entender de onde viemos quando estamos longe.


Marcelo Guimarães Lima: Eu nasci no Rio de Janeiro e meus pais eram cariocas. Mas quando eu tinha cinco anos, eles se divorciaram e minha mãe se mudou para São Paulo. Então, eu cresci principalmente em São Paulo. E o Rio é uma cidade linda; é uma cidade agradável; e nós a visitávamos com frequência. Mas morei lá até os cinco anos de idade, portanto, a maior parte de minha vida foi em São Paulo, antes de deixar o país para estudar e trabalhar.

São Paulo é uma cidade muito vibrante. Às vezes é uma cidade difícil. É muito grande. Mas há uma dimensão de vida cultural que é muito importante. É intensa e há uma profundidade de diferentes manifestações culturais em São Paulo. Possui excelentes museus. Há a Universidade de São Paulo. Fui estudar filosofia na Universidade de São Paulo. E foi uma experiência interessante, porque a cultura do lugar desafiava você como estudante, especialmente no departamento de filosofia. Fui estudar filosofia. Foi uma escolha, minha escolha. E era um departamento muito "francês" - havia ligações diretas com a França. Portanto, a vida intelectual da França era parte integrante do departamento de filosofia. Muitos de nossos professores estudaram na França e também muitos professores da França visitaram e lecionaram no departamento.

Conheci Michel Foucault na universidade. Ele veio dar conferências por um certo período. Conheci outros intelectuais da França: Jean-Pierre Vernant, que era especialista em filosofia grega; Claude Lefort, que participou do Socialisme ou Barbarie; e Michel Serres, que foi um filósofo muito importante - ele morreu há pouco tempo. E ele se tornou um amigo. Quando minha filha foi estudar em Paris, ele a ajudou, e assim nos tornamos próximos. Tenho um ensaio sobre Leonardo da Vinci no qual uso algumas de suas ideias. Ele era um intelectual muito completo, no sentido de que tinha formação científica, era engenheiro naval e também tinha formação literária. Ele se tornou filósofo e era conhecido por seu trabalho em filosofia. Foi muito interessante ler seus livros durante nosso contato.

E essa é a minha formação. Uma coisa importante que aprendi no departamento de filosofia da Universidade de São Paulo foi a ideia de rigor, rigor intelectual, que não é uma ideia muito popular hoje em dia. O que isso significa? Significa que você quer dizer o que diz e diz o que quer dizer. Você busca clareza, não se contenta com “meias-ideias”, digamos assim. Você tenta ser rigoroso no sentido de que, ao falar sobre um assunto, você procura esclarecer os conceitos que está usando para abordar o assunto. Essa é a minha ideia de rigor.

Devo dizer que não foi uma experiência fácil para mim como estudante de graduação. Quando Michel Serres estava na universidade, ele dava aulas para os alunos de pós-graduação, mas eu estava lá, ouvindo o curso. Não conseguia entender metade do que estava sendo dito, mas fiquei lá.

E essa foi minha formação. Foi difícil. Foi meio traumático quando você entra na universidade e entra nesse contexto de alta busca intelectual. E ninguém lhe dizia: "Oh, coitado. Deixe-me ajudá-lo.” Não era esse o caso. Se você quer fazer o curso, você tem que fazer isso. É isso. Se não quiser fazer, pode ir embora e há mais dez pessoas que querem seu lugar.

KAH - Humm.

MGL - Algo assim. Foi duro, mas, ao mesmo tempo, foi bom. Eu entendia minha responsabilidade como aluno. Hoje não está muito claro quais são as responsabilidades dos alunos. Você é responsável por seu próprio desenvolvimento intelectual, essa foi a lição que aprendi. A instituição lhe apresenta as condições, os textos, os ensinamentos, e cabe a você fazer algo com isso. Esse foi o lado positivo da coisa.

KAH - Tenho várias perguntas. A primeira que me vem à mente tem a ver com essa questão do rigor. Acho que uma das coisas que mais me atraiu no seu trabalho inicialmente foi sua escrita sobre Guy Debord e seu diálogo com o trabalho dele sobre a sociedade do espetáculo e a comunicação por meio de plataformas mediadas por corporações, e o que significaria para nós ter essa conversa por meio do Zoom. E estou tentando pensar em como comunicar uma conversa rigorosa e longa de profundidade por meio de plataformas que exigem um tipo de concisão.

Há uma tensão aqui entre rigor e concisão; e estou pensando em algo que Noam Chomsky discute às vezes sobre o motivo pelo qual ele não pode aparecer na televisão. Ele não é capaz de ser conciso. Você só tem sete minutos até o intervalo comercial. Você, provavelmente, será interrompido pelo apresentador. Na melhor das hipóteses, você tem sete minutos, portanto, pode concordar com a pergunta ou discordar dela, mas, mesmo assim, precisa aceitar os axiomas implícitos na pergunta. Não é possível contestá-los: você não tem tempo para isso. Nesse sentido, Chomsky não é capaz de ser conciso. Ele diz que concorda plenamente com isso. Você mencionou, Marcelo, que o rigor não é algo muito popular hoje em dia e acho que isso tem algo a ver com a mídia por meio da qual nos comunicamos. Então, gostaria de saber se você poderia dizer algumas palavras sobre a tensão entre rigor e concisão.

MGL - Minha esposa - posso lhe dar o exemplo dela - a Dra. Elvira Souza Lima é psicóloga e neurocientista. Ela fez seu doutorado na Sorbonne em educação e trabalha com educadores. E ela tem essa capacidade de apresentar ideias complexas de forma que as pessoas possam entender sem falsificar a ideia. Sempre me surpreendo com o fato de ela conseguir fazer isso, mas ela consegue. É um talento. Há algumas pessoas que conseguem fazer isso. Ela consegue fazer isso.

Mas o ponto principal, talvez, para aqueles de nós que não conseguimos fazer assim é: quando você está lidando com um determinado meio de comunicação, de alguma forma você tem que apresentar suas ideias e também falar sobre o contexto no qual você está apresentando suas ideias. Estar ciente do contexto. Assim, Chomsky está ciente do que a televisão faz e não quer se submeter a isso. Talvez outra pessoa possa apresentar uma ideia e, ao mesmo tempo, dizer ao espectador ou às pessoas que estão ouvindo: "Olha, estou apresentando dessa forma porque esse é o contexto que tenho". Estar ciente da moldura, do recorte - essa é a questão. Você me perguntou outro dia sobre o que fazer na sociedade do espetáculo.

KAH- Humm, humm.

MGL -Bem, talvez o que possamos fazer seja limitado, mas se formos capazes de apresentar o contexto, de apresentar às pessoas que este é o contexto em que estamos vivendo, que estamos vivendo na sociedade do espetáculo - isso já é algo extremamente útil e importante. Talvez você não passe todo o conteúdo que deseja. Talvez você não consiga explicar tudo. Mas você diz: "Olhe. Ouça bem.” Essa é questão para a qual você chama atenção. Não é fácil fazer isso, é claro, mas o que podemos fazer é conscientizar as pessoas sobre o contexto em que vivemos, sobre o meio e a mídia em nossas vidas. Se conseguirmos fazer isso, bem, já é alguma coisa, não é?

KAH - Humm. Quero dizer, acho que uma das maneiras pelas quais talvez historicamente a moldura seja mencionada é por meio da farsa e da sátira.

MGL - Sim. Essa pode ser uma boa maneira.

KAH - Sim. Estou pensando em outras alternativas. E por falar em alternativas, algo que é recorrente em seu trabalho é a referência a essa ideia de - há um acrônimo para isso, TINA. There Is No Alternative (Não há alternativa) em relação ao capitalismo.

MGL - Essa é uma homenagem a Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, a madrinha da política neoliberal. Quando ela morreu, sua morte foi comemorada nos pubs de Londres. Ela era odiada pelo povo. There Is No Alternative parece algo factual, mas não é: é uma perspectiva, um ponto de vista.

KAH - É uma perspectiva.

MGL - É algo que querem convencer você: de que não há alternativa. Ela repetia a afirmação como se estivesse expressando um fato. Não é um fato. Ela estava nos apresentando uma perspectiva, sua própria perspectiva, que não é necessariamente como as coisas são. E essa é a questão do momento em que estamos vivendo - o contexto sociopolítico - As pessoas dizem: "As coisas são assim, quer você goste ou não". Ora, isso é disfarçado como uma declaração de fato, mas não é uma declaração de fato. É um desejo do pessoal do outro lado: eles querem que as coisas sejam assim. Precisamos dizer: "Não, não é uma declaração de fato. Isso é o que você está impondo. É uma imposição.” E aqui posso citar Debord. Ele diz: "As pessoas recebem ordens”. Vivemos em uma época em que recebemos ordens e essas ordens são apresentadas como algo racional, algo factual, e não são. São ordens. Mas temos de interiorizá-las, certo? Tudo é feito para naturalizar a maneira como vivemos agora com as atuais estruturas de poder.

KAH - E a respeito disso penso nas plataformas de mídia populares como o Instagram, onde se reproduz a ideia de gerentes e funcionários ao “binarizar” toda uma população entre aqueles que são seguidos e aqueles que estão seguindo.

MGL - Sim. Estamos trabalhando de graça para essas plataformas. Alguns especialistas já escreveram sobre isso. Essas plataformas ganham dinheiro com tudo o que fazemos, certo? E nós em geral não. Não temos o controle. Com toda a censura que está ocorrendo nas chamadas democracias liberais, por exemplo, em nome da censura aos fascistas, todo mundo é censurado.

KAH - Censurados e perpetuamente vigiados.

MGL - Exatamente. Guy Debord viu tudo isso. É interessante. Eu afirmei que ele era capaz de ver o futuro no presente. Ele viu tudo isso acontecer. Essa é a importância de seu trabalho. Como escrevi, ele manteve seu pensamento revolucionário, mas não tinha ilusões, e é por isso que acho que seu trabalho é tão válido para nós agora. Ele não tinha ilusões a respeito e manteve seus valores, sua posição. Isso é fundamental em seu trabalho. Porque depois que ele escreveu La Société du Spectacle em meados dos anos 60, nos anos 80 ele voltou e escreveu comentários sobre seu trabalho, que eram comentários sobre como a situação havia evoluído.

KAH - E ele é muito lúcido.

MGL - E ele é muito lúcido. Ele não tem ilusões. Mas isso não significa que abandone a posição crítica que tinha. Não, não abandona.

KAH - Ele a modula à medida que as coisas progridem e mudam.

MGL - Sim. De certa forma, ele diz: "Bem, meu livro está confirmado". E estava mesmo. Seu livro foi confirmado. Ele não precisava se retratar. Mas dizia algo como : "As coisas mudaram para pior. Nós sabemos disso. Estamos cientes disso.”

KAH - O que nos remete à sua menção anterior de que é preciso estar ciente do contexto em que está se comunicando. Estar ciente da estrutura.

MGL - E essa é a grande tarefa educacional que temos como artistas, como pessoas conscientes, para educar as pessoas sobre como o que elas estão vendo é enquadrado de uma determinada maneira, e essa não é a única maneira de enquadrar as coisas. Podemos passar essa ideia como escritores, como artistas, dizendo: "Veja, há maneiras de enquadrar isso. A maneira que você está vendo não é necessariamente a única - a maneira que lhe é apresentada não é necessariamente a maneira "natural". Natural no sentido de que é isso, não há alternativa. Não há alternativa, como Margaret Thatcher queria que acreditássemos. Para ela, não havia alternativa.

KAH - Uma conversa recente que tive com um artista em Montreal envolveu uma referência à ideia cunhada por Mark Fisher chamada realismo capitalista, que é basicamente o fato de que, após a queda da União Soviética, as pessoas no Ocidente capitalista perderam um exemplo de uma superpotência não capitalista. E então, como se referir à estrutura de modo a propor uma alternativa?

MGL - Bem, sim. Estamos fazendo isso. Estamos tentando fazer isso o tempo todo. Eu e você, mesmo que não estejamos totalmente conscientes. Estamos fazendo isso o tempo todo apenas apresentando obras de arte que falam sobre coisas do mundo atual, que falam sobre nossas experiências. Você, como artista, como escritor, etc, está propondo sua própria perspectiva, uma perspectiva diferente, sobre as coisas. Agora, a maneira como você propõe é importante no sentido de que, se você conscientizar as pessoas sobre perspectivas diversas, já fazemos um trabalho enorme e estamos de fato fazendo isso.


Marcelo Guimarães Lima, Cidade bombardeada, pintura digital, 2023




Estamos vivendo agora essa situação horrível de guerra na Palestina. Agora, a mídia, os políticos e o establishment estão impondo suas visões. Mas as pessoas estão protestando em todos os lugares porque sabem que, no final, quem pagará o preço da guerra? Nós: as pessoas comuns. As pessoas sabem disso. É uma luta. Não é fácil. Mas eles estão apresentando outra perspectiva. Não, não é assim. Não pode ser assim. Por sermos criativos, artistas, estamos fazendo isso como parte daquilo que fazemos normalmente. A´presentamos perspectivas diferentes sobre qualquer tema com o qual estejamos lidando.  Agora, nossas apresentações são mediadas pelas linguagens da arte, então as pessoas precisam saber um pouco sobre isso. Mas trata-se de romper com o discurso estabelecido. Estamos fazendo isso - quer saibamos ou não. Mas se soubermos, talvez sejamos mais eficientes ao fazê-lo.


KAH - Humm, humm.

MGL - Não precisamos criar um mundo de sonhos no qual podemos fazer o que quisermos. Esse não é o caso. Mas a imaginação na sua verdadeira expressão pode propor que olhemos para as coisas de maneiras diferentes. Aprecio muito essa ideia que vem dos formalistas, os formalistas russos do início do século XX. Eles desenvolveram uma teoria literária, eram pensadores russos que vinham de uma estética simbolista do século XIX. A ideia dos formalistas era que o que a arte faz é desfamiliarizar a realidade. Desfamiliarizar, ou seja, torná-la estranha. Porque, ao torná-la estranha, ela o força a usar seus olhos e sua mente de uma maneira diferente. Somos prisioneiros do hábito. E a arte existe para quebrar esses hábitos, para que possamos ver as coisas sob uma luz diferente - ver as coisas sob perspectivas diferentes e perceber que a realidade é mais complexa. É mais complexa, por exemplo, do que a forma como lidamos com ela em nossa vida cotidiana. E isso em termos de percepção, digamos, percepção visual; ou em termos de linguagem, de literatura.


Escrevi sobre Vygotsky, o psicólogo russo que desenvolveu uma teoria no início do século XX. Ele estuda a maneira como os signos funcionam na mente e como a evolução da mente, a evolução dos sistemas de signos é histórica. Ele tem um livro intitulado The Psychology of Art (A psicologia da arte), no qual dialoga com os formalistas. Ele criticou os formalistas, mas dialogou, dizendo: "Os formalistas, talvez não tenham a resposta completa. Mas eles fazem as perguntas certas.”  Essa é uma coisa fundamental: fazer as perguntas certas. Mesmo que você não tenha a resposta. Isso é algo incrível de se fazer em todos os tipos de disciplinas na arte, na filosofia, na ciência - fazer as perguntas certas. E Vygotsky disse: "Os formalistas fazem as perguntas certas, mas eu discordo de suas respostas".


Vygotsky apresenta uma análise de um conto de um conhecido autor russo chamado Bunin. Nesse conto, há uma personagem que é uma jovem que manipula as pessoas. Na história, ela seduz um jovem marinheiro e seduz um homem mais velho, um homem rico. Ela seduz todo mundo. E ela brinca com isso. Mas o marinheiro, em um determinado momento, descobre que está sendo enganado - ele enlouquece e a mata. Essa é a história. Vygotsky a analisa e aponta a maneira interessante pela qual o autor apresenta a história, porque o enredo é muito quente - muito dramático -, mas o estilo com que Bunin escreve, a maneira com que ele a apresenta, é muito fria. Quando as coisas estão chegando ao clímax do sofrimento e tensão emocional, ele muda a narrativa e começa a falar sobre o clima. E esse contraste, essa contradição entre a forma e o conteúdo da história, é o que causa o impacto da obra. Essa é a ideia de estranheza, de desfamiliarizar as coisas. É isso que a arte faz. E os artistas precisam fazer isso porque somos criaturas de hábitos. Em nossas percepções, em nossas ideias, tendemos a ser bastante preguiçosos. Como acabar com isso? Como quebrar o hábito? A arte desfamiliariza a realidade para que possamos olhar para a realidade de uma maneira diferente, observar novamente e dizer: "Ah, não é o que eu pensava que fosse". Voltar e dizer: "Oh, há algo mais aqui". Acho que essa ideia é fundamental. Os formalistas tinham essa ideia criativa incrível que podemos usar nas artes. Podemos usá-la para entender todos os esforços criativos.

Quer tenhamos plena consciência disso ou não, o que estamos propondo é uma perspectiva diferente sobre as coisas. Podem ser coisas banais. Seja qual for a realidade das coisas banais em nossa vida diária, eu a relaciono a outras realidades, por meio das realidades da história, das realidades da estrutura social, da economia, etc. Portanto, quando, em nossa atividade limitada, propomos que as coisas possam ser vistas de uma maneira diferente, que possam ser vivenciadas de uma maneira diferente. Isso também afetará outras áreas de maneiras diversas. Não vamos resolver os problemas do mundo, mas estamos dizendo às pessoas: "Olhe, você precisa pensar duas vezes. Pensem novamente sobre o que está vendo. Pense novamente – é apontar um enigma. É o artista propondo enigmas às pessoas. E perturbando o senso comum. É interessante que "senso comum" tenha dois significados diferentes. Na cultura americana, senso comum é o que todo mundo sabe, que as coisas são o que são. Quando você lê os filósofos franceses, eles dizem: "Senso comum é o que as pessoas acreditam que as coisas são, ou seja, ideias recebidas que as pessoas não examinam e não desafiam".

KAH – Certo.

MGL - E nós estamos desafiando o senso comum nesse sentido. Este é o desafio: o interlocutor precisa nos apresentar argumentos, perspectivas estruturadas - não apenas seus sentimentos, seus hábitos ou o que quer que seja. Argumentos. Explorar. Examinar. Portanto, a arte sempre tem um lado educativo, mas o lado educativo não é dizer às pessoas - escrevi sobre isso recentemente - não é dizer às pessoas o que elas devem pensar. A religião faz isso. A ideologia faz isso. A arte problematiza o que as pessoas pensam. O que você pensa não é a resposta. É um problema. Portanto, vamos examiná-lo. E o que você pensa, o que você vê, o que você sente. Essas são perguntas. Esses são problemas a serem explorados. E é por isso que a arte não é muito popular em certos setores, certo? Os artistas não são muito populares em certos setores.

KAH – Você sente que - quero dizer, vejo esse tipo de desenvolvimento em você de um pensamento filosófico sofisticado, agudo e cheio de nuances, bem como um impulso para o trabalho como artista, e me pergunto sobre a proteção acadêmica dentro de uma instituição e como isso se relaciona com o seu desenvolvimento no Brasil, a maneira como você acumulou uma certa quantidade de poder social e talvez político por meio de sua progressão em instituições educacionais importantes e como isso é uma forma de defender o trabalho que você faz como artista para, como você diz, desfamiliarizar e desestabilizar o senso comum.







MGL - Bem, eu não sei. Não tenho muito poder. Passei por diferentes instituições... Minha formação foi em filosofia na Universidade de São Paulo. Havia coisas de que eu não gostava no processo, mas depois percebi que todos os problemas pelos quais passei, todo o trabalho duro, eram necessários. E quando me tornei professor, tentei passar isso para os alunos. Às vezes, eu dizia aos alunos de graduação: "Vocês podem vir aqui para socializar. Mas isso não é bom para vocês. Porque você está investindo anos da sua vida como estudante, e isso vai se refletir mais tarde, certo? E a sua formação profissional é uma coisa, mas você também está sendo formado como cidadão.” É disso que se trata a educação. Você se torna um profissional, mas também é um cidadão. E quanto mais consciente você estiver de seu papel como cidadão, melhor profissional você será.

Fiz minha graduação em filosofia e depois fui para os Estados Unidos. Primeiro morei na França por um tempo, porque minha esposa estava fazendo doutorado na Sorbonne, e depois fomos para os Estados Unidos, onde fiz o programa de pós-graduação em artes visuais. Depois disso, voltamos para o Brasil e, em seguida, tive a oportunidade de ir para os Estados Unidos novamente e consegui um emprego na Universidade de Illinois como professor.

Depois disso, fui para Dubai para lecionar. Fiquei em Dubai por sete anos, porque achei que já tinha feito o que podia fazer nos Estados Unidos. Como professor, sempre tive a sensação de que meus deveres não eram apenas seguir as regras da instituição, seguir o que me mandassem fazer. Mas eu tinha um dever para com os alunos de dar o melhor de mim. E, às vezes, havia um conflito. O que a instituição queria de mim e o que eu achava que era minha responsabilidade para com os alunos. E minha responsabilidade para com os alunos era dizer: "Vocês precisam melhorar. Todos nós precisamos melhorar. Vocês estão aqui para melhorar. Vamos tentar. Porque este é o tempo que vocês têm. Vocês ainda não sabem. Mas este é o momento.” Eu dizia aos alunos: "Este é o momento de vocês cometerem erros. Este é o momento de vocês fazerem perguntas. Não há perguntas tolas. Este é o momento de vocês cometerem erros. Todos os erros que precisarem cometer, vocês os cometerão agora - com disposição para pesquisar e solucionar.” Porque quando você entra na vida profissional, não pode mais cometer erros. Então você fica preso. Portanto, em todos os aspectos, a instituição educacional deve ser um lugar de liberdade. Assim, como professor, tenho de equilibrar as demandas institucionais e o que eu achava que era meu papel criar esse ambiente de sala de aula para a liberdade, a liberdade de experimentação, e o que eu achava que era o rigor necessário, a autodisciplina que é uma parte essencial do que é ser livre. Se o aluno não fizer um bom trabalho, e se eu disser a ele: "Tudo bem”. Não é bom para o aluno. Tenho de dizer: "Você pode melhorar isso. Você pode fazer melhor.” E como professor, você pode ter instituições que entendem esse processo e outras que não entendem.


KAH –Acho que a censura dentro das instituições é algo que tem estado no Zeitgeist ultimamente. A cultura do cancelamento, como é chamada - censura de diferentes tipos. Até mesmo a proibição de livros, que estamos vendo aumentar nos Estados Unidos - não para centralizar os Estados em nossa consciência, como eles frequentemente tentam insistir. Mas eu me pergunto sobre os limites da liberdade dentro das instituições.

MGL - Há limites, é claro, você sabe: liberdade não é qualquer coisa vale. Isso não é liberdade. Mas deixe-me dizer uma coisa a respeito - vivi minha juventude no Brasil nos anos 60 e 70 sob uma ditadura militar.

O interessante dessa experiência é que você entende quais são as coisas sérias da vida. Você entende que, quando se opõe a uma ditadura militar, corre o risco de sofrer sérias consequências. Agora, isso não é motivo para desistir. É um motivo para se tornar inteligente. E mesmo durante a ditadura militar, estávamos estudando, por exemplo, Marx na universidade. É claro que não dizíamos publicamente que estávamos estudando Marx; não, estávamos estudando a filosofia da práxis.

Mas o fato é que, como os filósofos estoicos costumavam dizer, o homem é realmente livre. Desde que você mantenha sua dignidade, seu valor interior e sua autonomia diante dos problemas do mundo, você é livre. E criamos espaços nos quais pudemos exercer nossa liberdade de dizer não à ditadura. É claro que eu não ia para as ruas gritar. Bom, às vezes fazíamos isso também. Mas não adianta ir para a rua e começar a gritar: "Abaixo a ditadura!" se você sabe que eles vão bater em você, e você está conseguindo muito pouco ou nada. Portanto, você tem de se tornar inteligente e realizar coisas, mesmo que sejam pequenas, dentro do ambiente em que você vive, trabalha e age. E é isso que acontece. E se você tem alguma ilusão sobre a ideologia liberal, você a perde em uma ditadura. Não se pode ser ingênuo em uma situação como essa. O que os poderes constituídos dizem a você é uma coisa; a realidade é outra.

KAH –A realidade é outra.

MGL - Portanto, as ditaduras são uma ótima escola para a conscientização política. Eu tinha amigos, pessoas que estavam na cadeia, pessoas que eu conhecia que foram torturadas por causa de suas ideias, porque escreveram algo. E sempre tive e ainda tenho comigo esse ódio aos ditadores. E isso sempre me dá a direção certa.

KAH –A raiva como combustível.

MGL - Sim. Eu desprezo ditadores. Eu realmente desprezo as pessoas no poder que oprimem. Eu realmente odeio essas pessoas (risos). É pessoal (risos).

KAH – Sei que recentemente houve uma eleição importante no Brasil e que Lula é o atual líder, alguém que é de esquerda. Gostaria de saber se você poderia dizer algumas palavras sobre a política brasileira atual, se eu pudesse abrir as coisas de forma tão ampla quanto isso.

MGL - Sim. Bem, Lula nos salvou dos fascistas, embora os fascistas ainda estejam aí. Eles têm algum poder. Isso foi interessante no Brasil, e talvez não apenas no Brasil. Em 2016, tivemos um golpe de estado, um golpe de estado parlamentar, que depôs a presidente, Dilma Rousseff. E eles inventaram histórias, inventaram leis, inventaram tudo para tirá-la do poder. Então, isso foi um golpe. Não precisou dos militares. Os militares estavam envolvidos, mas não foi preciso que os militares fossem para as ruas com tanques, como fizeram em 1964. Naquela época, os militares fascistas foram para as ruas com tanques e tropas. Bem, eles não fizeram isso em 2016 porque havia uma conspiração organizada, uma conspiração muito clara feita debaixo do sol. Se você não é ingênuo, você viu a conspiração entre os políticos, os políticos liberais e os políticos de extrema-direita, a imprensa, que é um monopólio, onde há cinco, seis ou sete famílias que controlam a imprensa no Brasil, e o judiciário - porque eles concordaram com leis inventadas e todos os tipos de acusações estapafúrdias.

E então veio a eleição. Lula era candidato. E havia um juiz fascista que chantageava as pessoas para acusar Lula de ser um bandido, um líder corrupto e tudo o mais. O que ele não é. Nunca foi. E esse juiz gastou bilhões do dinheiro público investigando e não conseguiu encontrar nada que incriminasse Lula. Então, o que ele fez? Ele prendeu as pessoas e só as soltou se elas dissessem que o Lula fez isso, isso e aquilo. E prenderam Lula. Lula era o favorito, mas não conseguiu se candidatar e esse fascista, esse fascista horrível chamado Bolsonaro, foi eleito. Ele se tornou a alternativa para a maioria da população porque eles não o conheciam. Não queriam votar nos políticos tradicionais; não podiam votar em Lula; e a imprensa estava fazendo essa campanha de terror, então, como na Argentina - exatamente como na Argentina de hoje -, tínhamos um fascista no poder; e o argentino que foi eleito recentemente não vai durar muito tempo porque é incompetente; é uma fraude - Bolsonaro era uma fraude, mas tinha o apoio da imprensa, o apoio da justiça, o apoio dos militares. Mas sua presidência foi um desastre. Especialmente a maneira como ele lidou com a epidemia de Covid-19. A contagem oficial diz que 700.000 pessoas morreram. Essa é a contagem oficial. É mais do que isso. Porque ele não fez o que era necessário. No início, ele era contra as vacinas e depois tentou comercializá-las por meio de acordos obscuros para obter ganhos pessoais.

Lula ganhou a eleição, no ano passado, por uma margem relativamente pequena, mas ganhou. Então, graças a Deus que tivemos um líder como o Lula para fazer isso, para ganhar a eleição, porque agora respiramos um pouco melhor.

KAH – Entendo.

MGL - Mas as forças que derrubaram a presidente Dilma Rousseff estão aí e tentarão novamente, como sempre fazem no Brasil. E tudo isso em nome da honestidade, em nome da democracia, de Deus e da pátria!

KAH – Certo.

MGL -Então, quando se vive uma ditadura, perde-se qualquer ilusão, porque os ditadores e os acaparadores do poder falam de coisas bonitas e fazem coisas horríveis. Ele, Lula, está se esforçando muito para melhorar a situação da população brasileira. Mas ele não pode enfrentar diretamente os liberais de direita. Ele tem que fazer alguns ajustes. E só Deus sabe onde isso vai dar. Mas temos que apoiá-lo em sua presidência. Sei que sua tarefa é muito difícil.

Portanto, a política está em toda parte. Uma coisa que aprendi quando era jovem e vivia sob uma ditadura é que a política está em toda parte. Não se pode escapar dela. E o neoliberalismo é incrível em sua eficiência como ideologia. Porque, como escrevi em meu ensaio, Debord aponta - e depois de Debord há uma série de pessoas que apontaram - que, em tempos neoliberais, o Estado está muito presente, e os capitalistas precisam do Estado. Debord fala sobre a fusão entre a economia e o Estado. E isso é apresentado às massas como se o Estado não tivesse nada a ver com a vida cotidiana. Estado mínimo. É uma loucura total. O que os neoliberais dizem não é o que eles fazem.

KAH – Deparei-me com uma frase maravilhosa em seus escritos: “Um capitalismo de máfias concorrentes corresponde a um estado como administrador geral do crime.”

MGL - Sim. Isso foi quando Debord estava escrevendo sobre a Itália, junto com o autor italiano Sanguinetti, eles colaboraram no exame da situação na Europa e especialmente na Itália, onde havia esses grupos “terroristas” - os chamados terroristas, os esquerdistas radicais. E Debord dizia: "Não é interessante que alguns desses grupos estejam ajudando os fascistas, estejam ajudando o Estado a se tornar cada vez mais ditatorial - porque as pessoas no poder dizem: "Precisamos proteger o Estado". Portanto, havia uma espécie de conluio objetivo. Debord escreveu sobre o fato de os serviços secretos penetrarem nesses grupos, inflá-los e radicalizá-los a fim de criar uma crise. E nessa crise, tudo será permitido para a repressão. Essa é a situação que Debord estava analisando. Portanto, as coisas não são o que parecem, certo? Especialmente quando você recebe as notícias das fontes oficiais.

KAH – Em um determinado momento, o poeta americano Gary Snyder fez uma pergunta sobre o estado do clima, cheio de preocupações com o apocalipse iminente. Sua resposta foi mais ou menos assim: "Temos nos entretido com ideias de apocalipse iminente desde que os seres humanos puderam se comunicar uns com os outros; portanto, a questão não é o que fazer em relação ao apocalipse iminente, mas sim: o que fazer com o medo apocalíptico.” Por isso, gostaria de saber se você tem alguma pílula anti-desespero que possamos receitar. Como você lida com a questão do desespero? A conversa que estamos tendo e o contexto em que ela está ocorrendo - a conversa em si sendo mediada por uma empresa - e ter uma conversa sobre essencialmente oferecer trabalho não remunerado para a sala de espelhos que é a Internet - sinto que esses são ingredientes que podem contribuir para o desespero. Gostaria de saber de onde vem sua força para resistir ao sentimento de desespero.

MGL - Bem, é algo difícil, mas o principal é entender e tentar fazer com que as pessoas entendam que o medo também é imposto. E quando você entende que o medo é imposto, pode se distanciar um pouco. Há uma manipulação do medo; e quanto mais as pessoas temem, mais elas reagem emocionalmente e menos pensam. Quando você está em uma situação de medo, não tem tempo para pensar. Você reage emocionalmente. E, às vezes, você reage exatamente da maneira errada. Você se prejudica ainda mais. Portanto, é preciso criar uma distância e entender que há pessoas que querem que você tenha medo. O sistema, às vezes, quer que você tenha medo, mais ou menos da mesma forma que quer que você se divirta em outras ocasiões; quer que você faça isso agora e aquilo depois, conforme necessário. Eles querem que você tenha medo. O medo é uma forma de controle. Agora, você precisa se distanciar disso.

KAH - Sim.

MGL - E o que a cultura em geral faz, e acho que a arte faz, é criar esse universo simbólico que distancia as pessoas das reações diretas, automáticas e impulsivas. Nesse sentido, ela cria um espaço de liberdade. Você tem que se distanciar - você tem que pensar e refletir. Além disso, a obra de arte apresenta a você diferentes emoções ou diferentes formas de expressar emoções. O objetivo é criar a distância de que precisamos. Precisamos nos distanciar. Precisamos olhar de uma forma mais objetiva. E acho que a arte também pode fazer isso.

KAH – Certo.


MGL - E o interessante é que, de uma forma muito concreta, por meio da emoção você cria uma reflexão sobre a emoção. Você tem uma experiência emocional ao mesmo tempo em que tem um reflexo dessa experiência. E isso não significa que você tenha simplesmente uma reflexão intelectual. Você meio que se duplica e tenta entender suas próprias emoções por meio de uma resposta à obra de arte. É isso que a obra de arte faz.

KAH – Como um espelho.

MGL - Como um espelho, como um espelho para si mesmo: esta é a sua reação; e é assim que você está reagindo a isso. Vamos entender sua reação. Entendê-la. Na maior parte da vida cotidiana, não precisamos entender. Apenas reagimos. Mas quando você reflete sobre suas emoções em termos de experiência, sobre os significados das coisas que está vendo e vivenciando, acho que é isso que a arte pode fazer.

KAH – E estou pensando em sua criação de imagens, em seu interesse na imagem como um espelho do tipo que acabou de descrever; e gostaria de saber se poderíamos ver algumas de suas imagens, que retirei de seu website, e pedir que você diga algumas palavras, se tiver alguma para compartilhar, em resposta a cada uma delas. Tudo bem?

MGL - Tudo bem.

KAH –Para começar, esta obrai, Cinnabar. Trata-se de uma pintura digital.


MGL - Sim.

KAH – Ela foi construída inteiramente digitalmente?

MGL - Não. Comecei com a digitalização de uma pintura minha. Cinnabar é uma cor. E o título é a cor que você vê ali. Mas o que eu acho interessante na pintura é que ela é uma espécie de metáfora, é um análogo do corpo e da pele, relaciona o espaço como contêiner, a ocupação do espaço, os movimentos e as superfícies.

KAH – Entendo.

MGL - Acho que há algo sobre a pele e a sensação corporal. Quando digo que a arte é como um espelho, a pintura é um espelho de nossas experiências corporais. De certa forma, estamos presentes ali, no espaço virtual da pintura. Somos refletidos ali corporalmente. Essa é uma obra abstrata. Há algo na tradição da arte abstrata, no expressionismo abstrato, que eu acho que tem a ver com a fisicalidade. E a fisicalidade da obra é uma metáfora, uma simbolização, uma réplica de nossos corpos físicos. Merleau-Ponty é um filósofo francês cuja filosofia é toda voltada para a incorporação, o corpo como esse local de ideias ou representações. É isso que penso sobre essa peça. Pelo menos em minha imaginação, é assim que a vejo.

KAH – Estou pensando em uma linha que diz o seguinte: haicai do qual entendemos 70% é um bom haicai, e haicai do qual entendemos 40% é um ótimo haicai. E estou pensando no trabalho abstrato e na ambiguidade e no quanto uma peça pode convidar à projeção do espectador, em contraste com as intenções do artista. Estou olhando para essa linha aqui no terço superior e projetando a ideia de um horizonte nela, e que, portanto, ela pode ter uma espécie de otimismo porque o horizonte é alto.

Mas acho que estou tentando analisar onde a linha entre a projeção do eu em algo se encontra com o que realmente está lá na imagem. E acho que a metáfora do corpo é útil aqui. Você mencionou a pele. E talvez sempre que nos depararmos com a textura de um espelho, por exemplo, no qual estamos nos projetando, teremos imediatamente uma associação com a superfície do nosso corpo, mas também estou pensando em algo como o horizonte, que é abstrato e algo com que todos nós lidamos regularmente, na medida em que temos acesso à visão do exterior. Isso está claro?

MGL - Sim, a paisagem também é a ideia. E fiz algumas peças relacionadas a essa, peças em que a ideia de paisagem é mais proeminente. O horizonte, que também na filosofia é um conceito em Kant - o horizonte das ideias, o horizonte da percepção, as perspectivas e os limites do conhecimento humano.

Toda obra de arte envolve projeção. É uma forma de comunicação e, portanto, envolve projeção relacionada à capacidade do artista, a partir de sua experiência pessoal, de criar algo que é mais do que pessoal. Algo que tem essa substância pessoal - tem essa matéria pessoal, mas é mais do que pessoal - no sentido de que aquilo que o espectador verá, já que o espectador estará envolvido no universo imaginário da obra de arte, é sua própria experiência subjetiva. Portanto, a subjetividade do artista é um meio para essa comunicação sui generis entre subjetividades.

KAH – Certo.


MGL - Se minha obra de arte é capaz de dialogar com os espectadores, ela não fala sobre minha vida em si. É claro que os materiais da obra são, de maneiras diferentes, provenientes de minhas experiências de vida. Mas ela fala sobre a vida de outra pessoa, no sentido de que há uma identificação por parte do espectador - o espectador se identifica e vê algo dele na obra. E é isso que interessa ao espectador. Você se vê refletido na obra em diferentes níveis. Não precisa ser muito consciente, descritivo ou claro. Mas em diferentes níveis você cria uma comunicação com a obra, porque a obra fala algo sobre você, e talvez também algo novo ou esquecido, e sobre todos nós, mas sobre você - ela revela algo específico. Nunca é vago. É sempre específico, em um sentido particular. Portanto, nossa relação emocional com as obras - quando vejo obras de arte, não tenho consciência de todo esse processo, mas o que é revelado se torna algo familiar, reconhecido. É algo familiar em sua própria diferença, a objetividade da obra de arte.


A diferença entre o artista e aqueles que não são artistas é o domínio de uma linguagem. Temos uma linguagem; temos um instrumento para falar sobre nossa experiência, para propor e criar coisas significativas. Para criar coisas que falem sobre nossa experiência. Nossa experiência e a experiência de outras pessoas têm muitos elementos em comum. Estamos falando sobre essa semelhança nesse sentido. O fato de conseguirmos colocar a "conversa" da obra de arte em palavras é outra coisa. Se podemos fazer uma narrativa ou se podemos escrever sobre ela, a questão é que, a partir da subjetividade do artista, ele está criando uma obra que reflete a subjetividade e as experiências de outras pessoas. Essa é a beleza do trabalho. É uma linguagem. Essa é a diferença. Porque todos nós temos experiências, e nossas experiências, sejam elas boas, ruins ou indiferentes, são equivalentes; ninguém é especial. Como artista, não sou um ser especial. Mas tenho uma linguagem para falar sobre minha experiência, uma linguagem que pode ser compreendida por outras pessoas. Tenho o instrumento porque durante muitos anos pintei, fiz desenhos, então aprendi a fazer isso.


E esse é outro desafio. Toda vez que você vai fazer algo como artista, você tem esse conhecimento acumulado, o conhecimento prático, a experiência do trabalho que você fez; e depois há o desafio de não se repetir. Repetir a si mesmo não é o objetivo. O objetivo é criar algo novo. Não completamente novo, é claro. Mas há algo que você acrescenta ao que fez antes. Você acrescenta algo a ele. Portanto, essa é a diferença entre você e o espectador do seu trabalho. Você domina uma linguagem específica para falar sobre as coisas. Outras pessoas criam linguagens diferentes e outras não têm a linguagem adequada para se expressar nas dimensões comunicativas e reflexivas próprias da arte. Mas elas reconhecem algo quando veem algo que fala com elas.

KAH – Certo.

MGL - E não acho que isso seja idealista. É um fato. O obra de arte é importante. É por isso que estamos envolvidos em fazê-las e por que as pessoas estão envolvidas em apreciá-las.


KAH – Certo. Então, você acabou de mencionar a importância de não se repetir como artista. Penso nisso no contexto do cinema, que é uma mídia sobre a qual tenho pensado e praticado mais ultimamente. Recentemente, ouvi uma entrevista com um cineasta - acho que foi Guillermo del Toro, na verdade - que disse que havia uma tensão fundamental no meio cinematográfico porque o artista está sempre ansioso para fazer algo novo, algo diferente, e o produtor ou a empresa de produção, a pessoa que tem acesso ao capital para fazer isso acontecer, está sempre olhando para trás, para o que foi feito antes e o que pode ser comercialmente viável. Então, estou pensando nessa tensão entre a responsabilidade do artista, se é que posso dizer assim, e a atividade comercial - que o artista está sempre olhando para frente e o empresário está sempre olhando para trás. Você acha que há algo nessa tensão?

MGL - Bem, sim, mas esse é o contexto. O cinema é um setor que requer capital. E o cinema comercial é um setor que requer muito capital. Mas as pessoas que fazem filmes são artistas. Atores e fotógrafos, até mesmo os técnicos - eles são artistas trabalhadores, no sentido de que estão colocando suas habilidades para fazer um produto com apelo artístico dentro das restrições do cinema como negócio, o filme como uma mercadoria. Devido à quantidade de capital necessária para fazer um filme, ele é um negócio e há esse conflito entre o negócio e a arte. E, no final, o negócio prevalece, é claro, porque as pessoas investem dinheiro e querem esse dinheiro de volta. Elas precisam ter lucro. E é isso que eu acho que as pessoas nesse ramo com uma sensibilidade mais artística devem sofrer um pouco ou muito com essa condição.

KAH – De fato.

MGL - Mas quando eu digo "fazer algo novo", não é absolutamente novo, porque...

KAH – Isso não existe.

MGL - Não existe tal coisa, absolutamente. Mas como você se desenvolve? Você acumulou, como artista, as habilidades e perspectivas e tudo mais, e o que você precisa, toda vez que faz um trabalho, não é jogar fora isso, mas renová-lo. Isso é importante. Renovar. E eu escrevi no catálogo - se você tiver o catálogo - no início, escrevi algo sobre: "Qual é o papel da arte? Acho que foi algo como: "Renovar nossos significados simbólicos". Porque os significados pelos quais vivemos, os símbolos pelos quais vivemos, se não cuidarmos deles, eles se tornam obsoletos; eles perdem sua capacidade de explicar as coisas para nós, de estruturar nossas mentes e nossos corações.


"A arte registra e coloca em perspectiva nossas experiências e seus significados associados, é feita de memórias e antecipações e, dessa forma, contribui para a renovação de nosso universo simbólico e de nossas perspectivas. Portanto, ela tem um papel vital a desempenhar em nossa economia emocional, em nossa autocompreensão e em nossas perspectivas de ação."


Acho que isso resume tudo. Gosto desse parágrafo. Ele é bem legal. Porque nosso universo simbólico pode ficar obsoleto. E se vivermos como vivemos agora, no contexto em que estamos vivendo, nossa saúde mental estará ameaçada. Quando as coisas perdem o significado, ficamos em um estado de desorientação. Há um filósofo francês, Bernard Stiegler, que tem um livro chamado Disorientation (Desorientação). E ele diz: "O que estamos vivendo na era neoliberal, nessa transição para algo que não sabemos o que é, é um processo de desorientação geral". Como você pode viver desorientado?

E no esboço que escrevi para a abertura do meu catálogo, escrevi esta frase: a arte tem um papel mais amplo a desempenhar, seja ela reconhecida ou não. Na maioria das vezes, ela não é reconhecida. As pessoas pensam na arte como entretenimento. E a arte não é isso. A arte é vital para a renovação de nosso universo simbólico. E estamos vivendo, de fato, em uma era em que há uma crise de significado, uma crise de linguagem, uma crise de simbolismo nesse sentido. Nosso universo simbólico está desmoronando. Portanto, os artistas deveriam ser mais apoiados.

KAH – Muito bem. Gostaria de saber se podemos relacionar isso à questão do rigor e também à heterodoxia. Algo sobre o rigor que nos permite pensar em algo de forma clara e separada de outra coisa, acho que reflete uma maneira de perceber um mundo no qual não tínhamos uma proliferação tão grande como temos agora de formas de mídia e algoritmos que apresentam às pessoas toda uma variedade de perspectivas diferentes sobre o mesmo acontecimento. Então, eu me pergunto se isso contribui para essa sensação de desintegração do universal dos símbolos e se, na sua opinião, essa é uma desintegração do tipo fênix, se um novo universo de símbolos precisa se reanimar das cinzas do antigo, ou talvez o que você prevê como resultado desse desgaste e desintegração.

MGL - O rigor intelectual não é rigor mortis, mas a capacidade de distinguir a verdade do erro. Da mesma forma que a liberdade exige autodisciplina, a autonomia é a capacidade de dar a si mesmo seu próprio nomos (lei), de ter uma direção que é auto-direção. Para que os algoritmos são usados? Estamos em uma situação em que os algoritmos e a mídia são usados para quê, basicamente? Para obter lucro. Uma classe reduzida de pessoas usa isso para seu próprio lucro. E esse é o desafio de que fala Stiegler. Precisamos capturar todos esses novos instrumentos e dar a eles um uso diferente. Porque se for para fins lucrativos, um dia você verá uma coisa; no outro dia, verá outra; você se contradirá, mas não importa. Porque, no final, você produzirá lucro. Portanto, o lucro se torna a luz que guia tudo. E quando você fala em lucro, na estrutura do capitalismo neoliberal, você fala em lucro para alguns. O resto de nós vai perder

KAH – O lucro não pode existir sem privação.

MGL - Sim. Nesse contexto, a manipulação do desejo em nossa sociedade leva, de fato, à privação emocional e mental. Assim, Stiegler examina a ideia da tecnologia de usos e usa o termo grego pharmakon, que é de onde vem a palavra farmácia. Pharmakon, em grego antigo, significa tanto remédio quanto veneno.

KAH – Certo.

MGL - Portanto, Stiegler estava dizendo que não se trata da tecnologia em si, mas sim de como a tecnologia é estruturada e usada para que fins. Segundo ele, da forma como as coisas estão acontecendo, elas estão envenenando nossos corações e mentes. Mas, reestruturada e usada de uma maneira diferente, ela pode resolver problemas para nós. Isso é o que ele chamou de abordagem farmacológica. Os gregos tinham essa grande percepção. Eles entendiam que as coisas na realidade são contraditórias. Existem contradições. E quanto mais você souber sobre essas contradições, melhor será para lidar com elas. Não é incrível que você use a mesma palavra para veneno e para remédio? Porque é uma questão de dosagem.

KAH –É uma questão de dosagem.

MGL - É uma questão de uso e dosagem. E os gregos tinham essa ideia de harmonia no sentido de nada em excesso. Nada em excesso, e harmonia como uma construção dinâmica dentro de uma realidade e de uma realidade humana feita de contradições e oposições. Como você se equilibra? Como equilibrar sua vida? Como alcançar o equilíbrio? Essa era uma ideia comum na vida, na cultura e nas artes gregas: harmonia nascida da luta. Eles diziam: Você precisa se tornar quem você realmente é.

KAH – OK

MGL - Os gregos tinham essa ideia: Você tem que se tornar quem você realmente é. Agora, se nos perguntarmos, nesta época em que estamos vivendo, quem somos nós?

KAH – Quem somos?

MGL - Todos nós temos respostas prontas e respostas que não são muito úteis. Debord fala sobre a maneira como as coisas são manipuladas na sociedade em que vivemos. Recebemos ordens para fazer as coisas dessa maneira, mas as ordens vêm disfarçadas de algo de que precisamos ou que queremos.

KAH – Sim.

MGL - Agora, a ideia grega de autoconhecimento significa que, antes de tudo, você tem de pensar: Quem é você realmente? Quais são suas ilusões? E qual é a sua realidade?

KAH – Sim. Quero dizer, meu problema com isso é que ele localiza a identidade no indivíduo. Acho que, assim que você começa a fazer a pergunta...

MGL - Não necessariamente: quem somos realmente tem a ver com nosso contexto também. Há uma frase de um filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, que pode ser considerado um existencialista em alguns aspectos. Ele disse: Yo soy yo y mis circunstancias. Eu sou eu mesmo e minhas circunstâncias.

KAH – OK.

MGL - Portanto, estar ciente de suas circunstâncias também faz parte de quem você é. A identidade não é pré-estabelecida. A identidade não é algo fixo. Exceto na política de identidade (risos) As pessoas acreditam que sabem quem são sem nenhum esforço. Sem precisar fazer nada. Elas têm as respostas, mas não entendem realmente a pergunta,

KAH – Eu participei de uma conversa com um fotógrafo de Malta que estava falando sobre como a política de identidade essencialmente serve como meio pelo qual os algoritmos podem vender coisas de forma mais eficaz para as pessoas - que se você aderir a determinadas características, elas informarão os algoritmos que lhe apresentarão produtos on-line. Acho que há algo nisso - acho que isso também pode ser visto como um ponto de vista cínico e que a identidade de alguém só pode ser entendida dentro de um nexo de exploração capitalista - mas o que você acha disso? E também, será que ousamos abrir a porta para a política de identidade com o tempo que nos resta?

MGL - Provavelmente não.

KAH –Provavelmente não.

MGL - Mas acho que é uma experiência comum, da mesma forma que você está pesquisando na Internet, procura algo e, na próxima vez que pesquisar, coisas relacionadas a esse algo aparecerão sem que você pergunte. Você não perguntou nada, mas o mecanismo ou o que quer que seja disse: "Ah, esse cara fez isso, isso, isso e aquilo, então vamos apresentar isso e isso e isso e aquilo". É muito parecido com a maneira como os grupos fascistas trabalham no Brasil. Eles operam por meio do WhatsApp. É um aplicativo muito popular. Então, eles criaram grupos, esses grupos do WhatsApp. Eles alimentam esses grupos com o que as pessoas querem ouvir. E são todas essas coisas malucas sobre como o Lula está fazendo isso e isso e aquilo. Isso não tem base na realidade.

KAH – Não tem base na realidade.

MGL - Mas as pessoas que ouvem isso, é nisso que elas querem acreditar. E como quebrar esse ciclo?

KAH – Bem, acho que esse é o grande tema da nossa conversa, que, pelo que sei, está chegando ao fim. É a questão de como incentivar as pessoas a se libertarem dos hábitos e oferecer a elas incentivos suficientemente atraentes para que façam esse trabalho, para conduzi-las à água e garantir que bebam. Como induzir os outros a se comportarem bem e a se comportarem bem uns com os outros?

MGL - Por um lado, é preciso quebrar o ciclo, certo? É preciso rompê-lo. E é aquela ideia dos formalistas russos: é preciso criar algo que tire as pessoas de suas atitudes comuns de alguma forma. O que pode ser interessante. O que pode ser doloroso. Mas o problema é que, e não tenho uma resposta para isso, mas, como eu disse antes, fazer as perguntas certas já é alguma coisa. O problema é que, se pegarmos as mesmas maneiras pelas quais as pessoas foram seduzidas e tentarmos aplicá-las a outra coisa, isso pode não funcionar. Elas foram seduzidas por esse grande espetáculo. Elas estão esperando ser seduzidas. E talvez você esteja apenas recriando o mesmo ciclo.

KAH – Certo, certo.

MGL -Portanto, você precisa quebrar isso, de alguma forma. De alguma forma. Não sei exatamente.

KAH – Isso é muito interessante. Eu realmente acho que há algo aí. Sedução não sedução.

MGL - Exatamente. Contraditório nesse sentido. Para criar esse conflito, certo? O que produz, novamente, essa ideia dos formalistas. No conto de que eu estava falando, havia uma contradição, uma oposição, um choque entre a forma e o conteúdo. E esse é o aspecto interessante, o elemento estranho que faz com que as pessoas olhem novamente e digam: "Ei, espere. Espere. Algo está errado.”

KAH – Sim.

MGL - Eu estava lendo sobre Leonardo [Da Vinci]. Escrevi um artigo sobre Leonardo. E havia uma observação interessante de um historiador da arte de que a Mona Lisa é um retrato; mas há algum mistério sobre a Mona Lisa, certo? Quem é ela? E o que o historiador da arte apontou é que a linha do horizonte da Mona Lisa, os dois lados - porque a figura corta a linha do horizonte - não coincidem exatamente.

KAH – Não coincidem exatamente.

MGL - Uma linha à esquerda, outra à direita.

KAH – Estou vendo isso, sim.

MGL - Elas não coincidem. Portanto, esse é um dispositivo óptico que Leonardo criou. Ele está em um nível baixo de percepção. Nós o percebemos, mas não conscientemente.

KAH – E isso ajuda a criar o mistério.

MGL - E isso ajuda a criar o mistério. O mistério da Mona Lisa tem muitas dimensões. Quem é essa senhora? E tudo mais. Mas, de acordo com esse historiador de arte, a Mona Lisa está brincando com nossa percepção. Leonardo está brincando com esse desequilíbrio que é muito sutil e, ainda assim, nós o percebemos de  forma digamos subconsciente, não sabemos de onde ele vem. Isso não é interessante? Não é um tipo de distanciamento?

KAH – Uau.

MGL - Eu vi a Mona Lisa muitas vezes. Eu vi a Mona Lisa no Louvre. Nunca tinha percebido isso até ler sobre esta observação.

KAH –Mm, mm. Dá pra ver. Essa linha do horizonte não está de acordo com a outra.

MGL - Isso cria uma tensão visual. É uma tensão visual da qual não estamos totalmente conscientes. Nós a percebemos de forma subconsciente. E assim, o mestre Leonardo era um artista de vanguarda!

KAH – Há um poeta chamado Li-Young Lee que diz que a diferença entre arte e religião é como a diferença entre a lava que, exsudada de um vulcão há muito tempo, esfriou e endureceu abaixo da superfície da água, e que a arte é a lava na boca do vulcão. Onde ela ainda gira em círculos. Que nos seja possível viver por muito tempo ainda na boca do vulcão!

MGL - Essa é uma bela imagem. E tem a ver com o que eu falo sobre renovar nosso universo simbólico. Renovar. Essa é uma tarefa importante para os artistas. Essa é a tarefa. Quer estejamos cientes disso ou não, é uma tarefa muito importante. É uma tarefa vital. Algumas pessoas pensam que a arte é algo para os domingos à tarde. Mas não é. Realmente não é. É algo mais vital do que isso.


KEVIN ANDREW HESLOP


Kevin Andrew Heslop, é um artista multidisciplinar de London, no Canadá, cujo trabalho recente inclui a coleção de poesia the corret fury of your why is a mountain (Gordon Hill Press, 2021); exposições em galerias de arte six feet | between us (McIntosh Gallery, 2022) e in medias res (Westland Gallery, 2023); e uma antologia de treze poemas, multimédia, tetralingue e premiada internacionalmente, mo(u)vements, adaptada ao cinema e distribuída em 2023 pela Rose Garden Press e Astoria Pictures. O seu trabalho atual inclui cinco curtas-metragens (Astoria Pictures, 2024), dois livros de poesia escritos em conjunto (Baseline Press, 2024; Rose Garden Press, 2024), um livro de entrevistas sobre Medical Assistance in Dying (Gordon Hill Press, 2025), um livro de poesia, um livro de entrevistas a artistas e uma exposição de arte colaborativa. Com o apoio do London Arts Council, do Ontario Arts Council e do Canada Council for the Arts, vive e trabalha de forma peripatética em residências artísticas em todo o mundo, mais recentemente no Belgrade Art Studio (Sérvia), no Arteles Creative Centre (Finlândia), na BRAZZA Artist Residency (França), na Casa Na Ilha Residency (Brasil) e na Kaaysá Art Residency (Brasil).



(trad.revista 13/06/2025)

Comments