Técnica e temporalidade: a filosofia no espelho da técnica.

Marcelo Guimarães Lima



Apresentamos aqui um comentário inicial à obra de Bernard Stiegler: La technique et le temps 1. La faute d'Épiméthé (Paris: Éditions Galilée, 1994) tendo em vista uma primeira elucidação dos    temas, significados, argumentos e estrutura conceitual do estudo do    filósofo francês. 

Na introdução geral ao volume, o autor afirma: "O objeto desta obra é a técnica apreendida como horizonte de toda    possibilidade futura (à venir) e de toda possibilidade de futuro (d'avenir) ""Na sua origem, como hoje, a filosofia reprimiu a técnica como objeto de pensamento. A técnica é o impensado."  

A questão da técnica se    impõe hoje com urgência, segundo o autor, como "o fator dinâmico mais poderoso das mudanças extraordinárias que assistimos", mudanças que    nos afligem na sua complexidade e obscuridade e no paradoxo de um    futuro que se anuncia como possibilidade da ausência de futuro. Daí    decorrem, como reações à crise presente, o ressentimento e a negação, objetos das meditações respectivas, já centenárias e mais atuais que    nunca, de Nietzsche e de Freud. Deste modo, a reflexão de Stiegler na presente obra abarca primeiramente uma reflexão filosófica sobre a    técnica hoje e, no seu prolongamento nos demais volumes da série, a    questão igualmente das vivências e consequências da crise presente. 

Consequências que dizem respeito às formas de identificação e    sociabilidade, e assim às instituições e, de modo amplo e essencial,    com as novas tecnologias de comunicação e informação, à estruturação    da vida mental. A exteriorização da memória pelos novos meios, as    modificações da atenção, a retração da experiência do tempo e do    espaço, transformam a economia psíquica ao desconstruir as formas de    mediação estabelecidas da vida mental e da vida afetiva e, deste    modo, em aspectos centrais das identificações e da sociabilidade,    enfatizar e privilegiar os chamados “processos primários” e suas    manifestações (1). Tais consequências negativas do desenvolvimento da técnica se dão pela apropriação e monopolização desta pelo mercado: a mercantilização sem limites, própria da nossa época neoliberal,    enfatiza o potencial alienante e manipulador das novas tecnologias.    Por outro lado, pensadas sob o signo do pharmakon, é possível    descortinar um potencial diverso destas mesmas tecnologias, aquele    que enfatiza a comunicação, a informação liberada, as potencialidades do conhecimento ampliado, da comunicação ampliada, etc, à condição de uma reorientação radical do uso, das formas, da produção e do    controle democrático (anti-mercantil) da tecnologia. 

A meditação sobre a técnica em Stiegler examina especialmente as    contribuições ou os pontos de vista de Heidegger, Simondon e Leroi- Gouhran, e, igualmente, na esteira de seu mestre Jacques Derrida,    tendo em vista, no entanto, a nova amplitude do tema evidenciada de 

modo dramático na atualidade onde a técnica se impõe à meditação do    tempo presente e suas transformações e do futuro ou futuros possíveis e mesmo da ausência de futuro, na medida em que a transformação ou    transformações em curso do sistema tecnológico afetam de modo    essencial a própria experiência do tempo, a dimensão essencial do    tempo humano.

Tekhne e episteme, que não se distinguiam nos tempos homéricos, são    isoladas pela filosofia em seus começos. O filósofo acusa o sofista    de instrumentalizar o saber, o logos, enquanto meio de poder, como    retórica e logografia que se afastam do saber verdadeiro. Na herança    deste contexto de ideias, Aristóteles define o ente técnico por    contraste aos seres naturais: estes últimos têm em si mesmos seus    princípios de movimento e repouso,    as coisas fabricadas não possuem    em si próprias seus princípios de fabricação. A partir desta    ontologia, observa Stiegler, a técnica é analisada em termos de fins    e meios, o que significa que o ente técnico é desprovido de dinâmica    própria.

Lamarck, na sua Filosofia Zoológica (1809), estabelecera dois    domínios aos corpos: os seres inertes e os seres orgânicos    - os    inanimados e os vivos, os primeiros objetos da mecânica, os segundos    da biologia. O ente técnico não passa de um híbrido e, portanto, como na filosofia antiga, sem estatuto ontológico próprio: o objeto técnico recebe a marca acidental de uma atividade vital e assim pode    mostrar numa série uma evolução temporal. Seu domínio, no entanto, é    o da mecânica e seus traços de comportamento vital são apenas traços: sem densidade, sem espessura.

Em Marx, segundo Stiegler, temos o esboço de um novo ponto de vista    de uma teoria da evolução das técnicas. Igualmente, a dialética da    mão e da ferramenta em Engels aponta para além da separação do inerte e do orgânico.    Ainda no século XIX, Espinas, seguindo a teoria da    projeção orgânica de Kapp, se interroga sobre as origens da    tecnologia. A teoria de Darwin questiona a origem dos seres humanos.    As descobertas da arqueologia revelam objetos fabricados de grande    antiguidade, os dados da etnologia sobre as indústrias primitivas    possibilitam a interrogação sobre um devir técnico irredutível à    sociologia, à psicologia, à antropologia, à história geral. No século XX, Gille, Leroi-Gourhan e Simondon respectivamente vão elaborar os    conceitos de sistema técnico, tendência técnica e processo de    concretização.

O ente técnico devém, assim, um complexo de forças heterogêneas, no    período em que a revolução industrial subverte a ordem dos saberes    tanto quanto a organização social. A expansão da técnica afeta a    própria ciência que, sob imperativos econômicos ou militares, se    aproxima do domínio instrumental e a ele se submete, modificando seu próprio estatuto epistêmico. A nova potência técnica também se revela no século XX nas duas guerras mundiais. Ao tempo do nazismo na    Alemanha, observa Stiegler, Husserl se interroga sobre a tecnicização do pensamento matemático pela álgebra como técnica de cálculo que tem inicio já com Galileu e a aritmetização da geometria: o pensamento    geométrico se afasta de suas origens nas idealidades realmente    espaço-temporais as quais de "puras intuições" se transformam em    puras formas numéricas. A numerização, observa Stiegler, é perda de    sentido original e de visão originária. O cálculo tem sua força de    invenção e de descoberta próprias, observa Husserl, mas afasta para o segundo plano a significação geométrica ou a perde de vista    simplesmente, o que resulta numa modificação de sentido que passa    desapercebida, o sentido se torna sentido "simbólico". A tecnicização da ciência é processo de "cegueira eidética", na expressão de    Stiegler. A modificação de sentido dá lugar a uma elaboração    metafísica metódica que instrui e instrumentaliza a natureza por meio da aritmética algébrica transformada ela mesma, como observa Husserl, em técnica de cálculo, pura e simplesmente. Recua deste modo o    pensamento original, provedor de sentido e de verdade ao    comportamento técnico. 

A tecnicização, observa Stiegler, acarreta perda de memória, como já    enunciava Platão no Fedro, no conflito entre sofistas e filósofos.  Conflito entre a logografia hipomnésica de um lado e a memória anamnésica do saber do outro, a primeira contaminando, com o    potencial mesmo de destruir, a segunda. Com o cálculo, essência da    modernidade, perde-se a memória das intuições eidéticas originais na    base das estratégias apodíticas e de todo o sentido. A tecnicização    pelo cálculo do saber ocidental é “esquecimento da origem”,    esquecimento de sua verdade. A necessidade de uma refundação do    racionalismo é, nos anos 30 (como observa G. Granel, citado por    Stiegler) objeto comum de humanistas como Husserl e Cassirer.

Em contraste, observa Stiegler, a analítica existencial de Heidegger    não visa a refundação de uma filosofia racional. A tecnicização do    saber é motivo central no pensamento de Heidegger, a ratio    compreendida em seu destino essencialmente como cálculo, como devir    técnico que é o enquadramento, a arregimentação, a interpelação, o    arrazoamento (2) de todo o ente. 

O tema do esquecimento domina o pensamento heideggeriano do ser: a    história do ser é sua inscrição na técnica. A concepção da verdade a    partir do esquecimento relaciona o sentido da a-letheia à    reminiscencia platônica, a qual se opõe à memória hipomnésica. Esta      é, no entanto, o destino do ser como esquecimento do ser. Observa    Stiegler que pensar a verdade como saída do seu "retiro" ("retrait")    (poderíamos, talvez, dizer do esquecimento como   "ausência") e a    história do ser como esquecimento é pensar o tempo no horizonte de uma tecnicidade originária, como "esquecimento originário da origem". O esquecimento se inscreve na constituição existencial do Dasein como instrumentalidade ou utensilidade e, por meio desta, como cálculo. Se inscreve na história do ser que dos pré-socráticos a Platão até    Descartes e Leibniz, a partir do princípio de razão suficiente,    resulta na concepção de uma mathesis universalis como cálculo. Estes    dois planos juntamente considerados, segundo Stiegler, é que ajudam a esclarecer, tanto quanto possível, observa o filósofo francês, a    meditação heideggeriana da técnica.

Desta primeira análise sucinta por Bernard Stiegler da temática da    técnica em Heidegger (sucinta e, no entanto, relativamente extensa    dentro do capítulo introdutório de La technique et le temps) podemos    destacar algumas observações que contribuem para balizar a    conceituação heideggeriana. Primeiramente evidencia-se, em textos de    sentidos diversos e em momentos diversos, a ambiguidade do filósofo    alemão em relação à técnica. O cálculo, a mathesis universalis e    temas relacionados, tomam sentido como expressões do projeto geral de “domínio da natureza” consolidado na história da metafísica ocidental como sua expressão fundamental. Aqui a técnica é vista de modo    negativo, com o sentido de restrição da compreensão do ser e de    limitação da ação e da compreensão de si do Dasein: a técnica é    realização da metafísica.

O Dasein é herdeiro de um passado constituído, de um lado e, de    outro, é destinado à morte: determinação e indeterminação (o fim do    Dasein não pode ser pensado como tal, é apenas “conhecido” de modo    genérico) constitutivas, radicais, são ambos aspectos passíveis de    uma atitude ou comportamento autêntico ou inautêntico na medida em    que tanto o passado como o futuro oferecem possibilidades de    apropriação, de escolhas: fazer “seu” o passado, antecipar o futuro    na sua radical indeterminação (condição de possibilidade da    antecipação), possibilidades que se realizam de modo autêntico apenas quando inteiramente autodeterminadas pelo sujeito, para além da    “comunalidade” estabelecida e herdada como tal. Ora, a antecipação    ela mesma, esclarece Stiegler, pode se dar, de modo inautêntico, como preocupação, isto é, como tentativa de contornar a indeterminação, de determinar o indeterminado (fugir ao destino último), na origem da    instrumentalidade e portanto do mundo da técnica, enraizados na    facticidade (na visão de uma comunidade de destino do Dasein e as    entidades que fazem parte de seu mundo, segundo Sein und Zeit:    Divisão I, Capítulo II) A facticidade, observa Stiegler, é o que    torna possível a tentativa de determinar o indeterminado, é o solo    existencial do cálculo e a marca essencial da técnica. O cálculo é    aqui a degradação (déchéance) da existência. 

Nas camadas profundas da temporalidade, afirma Stiegler, se enraíza a questão da técnica em Heidegger. Temporalidade,    podemos observar, quer dizer o próprio Dasein: “o tempo somos nós”, dirá Heidegger. E,    no entanto, após Sein und Zeit, após a reorientação do pensamento    heideggeriano, abre-se uma perspectiva de pensar a técnica não mais    no contexto da analítica existencial mas na perspectiva da    desconstrução da história da metafísica.    A técnica moderna é,    essencialmente, o projeto da metafísica tornado realidade: o “domínio da natureza” pelo sujeito é    objetificado. Pensar o tempo e o ser    numa perspectiva de mútua implicação é pensar a técnica também como    forma de desvelamento, a reorientação da questão do ser e do tempo    ultrapassaria os impasses da filosofia ao considerar agora o ser    independentemente do ente e o tempo “para além das determinações da    metafísica”. Aqui se acumulam as dificuldades e ambiguidades do    pensamento de Heidegger sobre a técnica, afirma Stiegler. Os textos    sobre a técnica moderna após a reorientação nem sempre se coadunam:    nos primeiros a técnica é ainda “obstáculo”, nos textos tardios surge algo como a possibilidade de um outro pensamento da técnica. A    técnica como realização da metafísica é vista como condição ou    dimensão caraterística da modernidade, mas agora talvez não a única.

Estes diversos aspectos são examinados em “A Questão da Técnica”    (1954) cujo argumento essencial diz respeito à interpretação    atribuída a Aristóteles da técnica como meio e à caracterização da    técnica moderna. A concepção instrumental e antropológica da técnica    é “exata”, afirma Heidegger, mas claramente insuficiente: ela nada diz sobre a essência da técnica. Ela se refere à teoria aristotélica    das quatro causas: material, formal, final e eficiente. Na    interpretação tradicional, a teoria privilegia a causa eficiente: no    caso da produção do objeto artesanal, o próprio artesão. Esta é a    base da concepção instrumental da técnica como relação entre fins e    meios. Ao mesmo tempo,    contrariamente ao ser natural, a causa final    é exterior ao produto técnico. Ela se situa no produtor que, deste    modo, acumula causa eficiente e causa final. Ora, enquanto produção    (poiesis) a técnica é um modo de desvelamento, isto é, traz à luz um    possível, no dizer de Aristóteles, é um desocultar e portanto um modo da verdade. O que significa, esclarece Stiegler seguindo Heidegger,    que a causa final não é o operador eficiente mas pertence ao domínio    do ser produtivo: a phusis, poder de crescimento e produção    (poiesis). Do que se conclui que a tekhne como poiesis se submete à    causa final que é a phusis.

Aqui, ao contrário do que ocorre na    concepção subjetiva, isto é, na concepção antropológica da técnica,    causa final e causa eficiente claramente se distinguem. A partir    desta concepção, como caracteriza Heidegger a técnica moderna na sua    especificidade? Ela é também um modo do desvelamento mas não à    maneira da poiesis. O desvelamento aqui diz respeito à    disponibilização da natureza, não mais compreendida como phusis, mas    como fonte de energia a ser extraída e acumulada. A atualização do    projeto da metafísica é o que caracteriza a técnica moderna como    “violência para com a natureza”, observa Stiegler. E no entanto, se a técnica, como vimos, não é simples meio, efetivar o domínio da    natureza por meio da técnica quer dizer na realidade submeter-se aos    imperativos da técnica ditados pela natureza. Na técnica moderna a    relação homem - natureza é mediada pelo cálculo. A técnica moderna é    Gestell: mútua interpelação, questionamento entre o homem e a    técnica, racionalização, confronto e interrogação entre o homem e a    natureza, etc. A técnica moderna enquanto modo de desvelamento diz    respeito à verdade, portanto ao ser e, como tal, se faz o tema mais    urgente do pensamento. Ao seu modo, ela revela os limites da    metafísica: o que deve ser pensado, na urgência da compreensão do    presente e da decisão sobre o futuro, requer um novo pensamento.

A herança da “questão heideggeriana da técnica”, aponta Stiegler,    está na base das concepções de Marcuse expostas no “Homem    Unidimensional”(1964) e que ensejam uma resposta crítica de Habermas. O ponto central da concepção de Habermas sobre a técnica moderna,    segundo Stiegler, é a oposição entre atividade comunicacional e    atividade técnica exposta em “A técnica e a ciência como ideologia”    (1968) Para Marcuse a técnica moderna se caracteriza por uma espécie    inversão de sentido: liberadora em face da natureza, ela se torna um    meio de dominação do homem pelo homem. Partindo do conceito de    racionalização de Weber isto é, da extensão progressiva do critério    de decisão racional a partir da economia (capitalista) e da    organização industrial para todos os domínios de atividades, as formas de sociabilidade, a cultura e o pensamento, Marcuse identifica a “racionalização” e seus imperativos como sistema de dominação    oculto. Em Habermas a racionalização é extensão da “atividade    racional em relação a um fim”, relacionada à institucionalização do    progresso técnico e científico. Esta explica que a nova forma de    dominação exposta por Marcuse não é vista como tal mas é, de fato,    legitimada pelo progresso contínuo da racionalidade técnico- científica e seus produtos. No sentido da Aufklärung, as forças    produtivas se caracterizavam por seu poder de desmitificação: aqui    presenciamos uma inversão histórica de seu significado. É necessário, afirmava Marcuse, desenvolver uma nova ciência em nova relação com a    natureza, uma relação de diálogo que se distancia da condição da    técnica como mero instrumento de dominação. 

Demanda que Habermas caracterizava como “utópica”: a história das    técnicas é a história da objetificação progressiva e inelutável da    atividade racional em relação a um fim em sistemas técnicos. A    alternativa é considerar os domínios específicos da atividade    comunicacional que se baseia na interação mediada por símbolos, e do    trabalho como atividade racional em relação a um fim, e suas relações de equilíbrio. Ocorre que na sociedade moderna a atividade    comunicacional, cujo fundamento é a intersubjetividade (base das    normas sociais e, nas sociedades tradicionais, fonte da autoridade    social), se subordina ao "imperialismo" da racionalidade técnico-científica e finalmente perde sua autonomia e especificidade. A    legitimidade é, na modernidade, função da racionalidade técnico- científica, paradigma que abarca progressiva e inelutavelmente todos    os domínios de atividades. O estado tecnocrático moderno, isto é,    onde a técnica enquanto tecnociência serve ao poder como fonte de    legitimidade e na extensão do critério da eficiência que termina por    “confundir eficiência e fins”, não se dá por função promover a    atividade comunicacional. Seu papel é gerenciar as disfunções    engendradas pela atividade racional em relação a um fim, papel que se define como de ordem puramente técnica e que, como tal, se subtrai à    discussão pública. Finalmente, num tal sistema, de funcionamento    totalizante ou totalitário, os vários interesses sociais terminam por convergir e se identificar ao próprio sistema e ao interesse central    de sua manutenção. A subordinação da atividade comunicacional afeta a própria linguagem, isto é, afeta a socialização, a individuação e a    intersubjetivação. O comportamento tende a se estruturar, na    sociedade moderna, afirma Habermas, mais e mais por meio de estímulos externos, ao invés da norma interna. 

A alternativa é, para Habermas, clarificar dois conceitos de    racionalidade e suas relações de equilíbrio necessário para que o    desenvolvimento das forças produtivas sirva de fato à liberação    humana (a ciência, nos lembra o pensador da Escola de Frankfurt, é a    força produtiva central de nossa época): no quadro institucional da sociedade a racionalização própria é aquela que diz respeito à    interação mediada pela linguagem, o que quer dizer: a comunicação    livre das determinações, das restrições, da degradação engendrada    pelo império da técnica. “Liberar a comunicação da sua tecnicização”    como aponta Stiegler, remete aos postulados fundadores da filosofia,    recorrentes através da sua história.

Stiegler observa aqui convergências e divergências entre as análises    de Habermas e Heidegger sobre a técnica: ambos convergem na    consideração do paradoxo aparente da técnica como produto humano que    se autonomiza e assim desserve o homem e convergem, igualmente, na    consideração da tecnicização da linguagem como uma espécie de    “perversão” de um “propriamente humano” por outro. A divergência diz    respeito ao fato que nas análises de Habermas a técnica é ainda    entendida como meio enquanto para Heidegger ela é “determinação    metafísica”. Se a técnica não é simples meio não faz sentido propor    sua subordinação à vontade democrática em diálogo público, como    propõe Habermas, segundo Stiegler: e aqui se evidencia a limitação da concepção do pensador alemão. De uma maneira mais fundamental e mais    radical, observa Stiegler, a questão é a de construir uma relação    nova à técnica, repensando a confluência original entre o homem, a    técnica e a linguagem.

Com tal afirmação, o filósofo francês introduz seu projeto:    desenvolver um outro ponto de vista da temática da técnica que, de    modo efetivo, ultrapasse as limitações, que são aquelas ainda de    Habermas e Heidegger, inscritas na tradição filosófica. A logografia    sofística, observa Stiegler como contraexemplo, é igualmente a dos    “grammatistes”, os mestres ou professores da antiguidade grega, sem    os quais não se constituiria a cidadania, segundo Marrou e Detienne.    E, no entanto, para Stiegler, a dimensão do problema é ainda mais    profunda: trata-se da questão das relações entre técnica e tempo. A    oposição entre a palavra (linguagem) e técnica instrumental em    Heidegger só é possível porque a palavra encerra a dimensão original    da temporalidade, dimensão que é ocultada na instrumentalidade    técnica e calculadora da “intratemporalidade” própria da      preocupação. A individuação e intersubjetivação, questões centrais    para Habermas, pertencem, sem dúvida, à esfera da linguagem. Ora,    como observa Heidegger, na palavra se dá o tempo, o verdadeiro    princípio de individuação. 

Assim, a questão fundamental para Stiegler é: qual o papel da técnica nestes processos? Face aos novos desenvolvimentos na sociedade, na    economia, na cultura, etc, a visão tradicional puramente dissociativa e negativa da técnica na constituição do propriamente humano, se    torna mais e mais problemática. O fenômeno da técnica, hoje    redimensionado, ganha uma nova opacidade, a respeito da qual as    insuficiências do pensamento da tradição filosófica se tornam patentes na análise. O fenômeno da técnica se redimensiona no tempo    presente: a velocidade das transformações tecnológicas, por exemplo,    descortina não apenas uma nova consideração do tempo mas algo como    uma nova temporalidade: o tempo se transforma pela tecnociência    contemporânea, produto da cultura moderna, ao mesmo tempo em que as    temporalidades próprias da tecnologia e da cultura se dissociam e a    cultura, em razão de seu desenvolvimento mais lento, parece submergir na técnica. A inovação permanente, própria da civilização industrial  (B. Gille) diferencia os ritmos de evolução da técnica e da cultura:    de um lado temos antecipação, de outro atraso. Tensão constitutiva de toda temporalidade, observa Stiegler, e, no entanto, entre a novidade e a obsolescência, rápidas, dos produtos da tecnologia e os    comportamentos (valores, ideias, etc) a eles associados se projeta,    ou melhor, é lançado o sujeito contemporâneo: entre as formas do    tempo em mutação. De um lado teríamos um devir outro ali onde as    formas do próprio não chegam a se consolidar. Ou teríamos aqui a    possibilidade de pensar o humano e a (sua) temporalidade de uma outra perspectiva.

O primeiro volume da La technique et le temps confronta a analítica    existencial (e a tensão do tempo nela tematizada) com o mito grego de Prometeu e Epimeteu (nas versões mais conhecidas de Hesíodo, Ésquilo    e Platão). Segundo Stiegler, há na cultura grega antiga uma mitologia da origem da técnica que é igualmente a da origem da mortalidade, uma tanatologia. O surpreendente, principalmente no caso de Heidegger, é    que esta mitologia não foi em parte alguma analisada pela filosofia.    Como evidenciou J. P. Vernant, prometheia e epimetheia, constituem    conjuntamente duas figuras da temporalização. Ao avanço de Prometeu,    corresponde o retardamento de Epimeteu (cuja falta é esquecimento).    Conjuntamente, a prometheia como previdência e a epimetheia como    distração, despreocupação e meditação do fato consumado, proporcionam aos mortais a elpis (ao mesmo tempo esperança e temor), o contraponto que serve ao equilíbrio da consciência da mortalidade inelutável. O    que se pode dar somente na sequência e no fundamento da falta    originária que é a falta / falha /erro de Epimeteu: a tecnicidade    originária da qual procede a epimetheia (ao mesmo tempo idiotia e    sabedoria).

A interpretação do mito de Epimeteu, neste volume inicial da série,    se dá paralelamente ao exame e à critica acima esboçada da analítica    existencial e da tradição filosófica. Ao mesmo tempo serão tematizada as questões relacionadas do dinamismo próprio da evolução técnica e    do estatuto ontológico próprio dos objetos técnicos como objetos    inorgânicos organizados, cuja dinâmica própria se relaciona mas não    se reduz à dinâmica física e à dinâmica biológica. 

Nosso tempo exige uma nova consideração da tecnicidade. O trabalho de Stiegler visa demonstrar que a técnica é constitutiva da    temporalidade, na base da falta original que é a falta de Epimeteu. A aceleração do tempo, a velocidade das transformações tecnológicas,    afeta, como vimos, a organização da vida. O desenvolvimento da    técnica afeta a própria vida enquanto hibridização, diferenciação e    indiferenciação vitais. A velocidade intensificada (3) faz que o    tempo corra à frente do tempo: a velocidade se antecipa ao tempo    (como elemento primeiro, como origem do tempo e do espaço por    diferenciação) e transforma tanto o tempo quanto o espaço    estabelecidos de modo profundo. Se a vida é mobilidade, afirma    Stiegler,      a técnica é busca, continuação da vida por meios diversos que os meios vitais. A análise crítica da tradição fenomenológica em    Husserl e Heidegger e, na continuação, a avaliação das contribuições    e limitações da analítica existencial, levará o autor a desconstruir    a oposição heideggeriana entre temporalidade autêntica e    “intratemporalidade” bem como a questionar o célebre enunciado que    afirma que “a essência da técnica não é uma questão técnica”.

“Conjugar” a questão da técnica e a questão do tempo é o objetivo do    esforço teórico de Bernard Stiegler. Para tanto, uma primeira    abordagem considera a técnica no tempo, ou seja, a história das    técnicas do ponto de vista não das séries históricas dos fatos mas do ponto de vista dos conceitos, o que quer dizer aqui: teorizar a    questão da evolução técnica. 

A necessidade hoje de pensar a evolução da técnica advém da opacidade fundamental das transformações da técnica na atualidade a respeito    das quais não sabemos ainda distinguir o meramente pontual e efêmero    (ainda que espetacular) daquilo que pertence à longa duração    histórica e suas consequências profundas e mesmo irreversíveis. Deste modo, o que se decide hoje sobre a técnica é feito não apenas sem o    conhecimento das suas consequências ulteriores, mas com a nítida    sensação de impotência sobre os resultados últimos. Se a evolução da    técnica pode ser controlada de algum modo não é seguramente uma    questão nova. Mas é uma questão que se apresenta hoje num novo    contexto, portanto, é uma questão renovada face à qual a oposição    tradicional da filosofia entre tekhne e episteme se problematiza.

Trata-se de pensar a técnica no contexto das novas relações de fato    iniciadas na economia, na sociedade, na política com a Revolução    Industrial e evidenciadas como crise no início do século XX com a    Primeira Guerra Mundial. A questão de construir uma nova perspectiva    da relação entre o homem e a técnica, construir portanto uma nova    relação,    é o objeto das investigações de pensadores tão diversos,    afirma Stiegler, como Gille, Simondon e Heidegger. Para Simondon, trata-se do desenvolvimento de um novo saber da técnica, a    “tecnologia” ou “mecanologia”, para além das perspectivas    (necessariamente restritas) do engenheiro (especialista dos conjuntos técnicos) ou do operador/ operário (especialista dos elementos    técnicos). Este novo conhecimento é o do especialista dos indivíduos    técnicos que compreende a técnica como processo de concretização,    portador de uma nova competência requerida pelos novos    desenvolvimentos da técnica.

A cultura atual, observa Simondon, se constitui como um movimento de    defesa em relação à técnica, entendida como o inumano: ela opõe a    máquina ao homem. Para o filósofo francês, é necessário desenvolver    uma cultura técnica, uma nova consciência da inserção da técnica na    realidade, a qual, no entanto, não está ao alcance nem daqueles que    se relacionam cotidianamente com as máquinas enquanto operadores, nem aos que organizam as operações e atividades na indústria e que    consideram a máquina do ponto de vista de suas condições e resultados econômicos e produtivos, nem mesmo aos que, tomando a ciência como    fonte e horizonte, consideram a técnica como derivada, isto é, como    simples aplicação do conhecimento científico. Ao perder, com o    advento da máquina, sua relação verdadeira com o objeto técnico, a    cultura teria perdido seu caráter propriamente geral. Na realidade da técnica contemporânea, o objeto técnico não pode ser considerado como utensílio, como evidenciado pelo objeto técnico industrial e seu    processo de concretização, sua evolução própria que exclui a simples    relação fins e meios.

A evolução da técnica será tratada por Stiegler como sistemática, a    técnica compreendida em geral enquanto sistema. A evolução da técnica conduz ao particular sistema técnico contemporâneo. A especificidade    da técnica contemporânea inaugura uma nova época da sistematicidade    técnica. Em grande parte, esta especificidade ou novidade diz    respeito à velocidade da sua evolução. O que autoriza o filósofo    francês a conjugar a questão da técnica e do tempo. A história geral    das técnicas, na qual se insere a técnica contemporânea, se    compreende (assim como a própria história, para Braudel, observa o    autor), enquanto aceleração que conduz ao específico da técnica    atual. Esta requer uma nova competência e um novo saber para    Simondon, igualmente um novo poder para Gille e mesmo um novo    pensamento para Heidegger.

Para Simondon a técnica moderna se caracteriza pelo surgimento de    indivíduos técnicos sob a forma de máquinas, o homem deixa de ser o    indivíduo técnico portador de instrumentos técnicos ou ferramentas    como no passado. A relação ao objeto técnico está, deste modo,    profundamente alterada. Mudança que Heidegger compreende por meio da noção de Gestell. A noção de sistema na linguagem comum engloba a de    “um dispositivo formado por uma reunião de órgãos”. Observa Stiegler    que a palavra dispositivo é uma tradução possível, uma das acepções    do termo Gestell. A técnica moderna é governada pela cibernética,    ciência da organização em sentido geral que abarca desde o órgão, o    instrumento, até a organização como característica da vida. O    horizonte da cibernética é que propicia à Heidegger a sua    caracterização da técnica moderna.

No passado, a natureza comandava a técnica. Assistimos hoje uma    espécie de inversão. O dispositivo técnico disponibiliza a natureza    como fonte de recursos e, com ela, também os homens. Quem comanda um    tal sistema que tudo engloba num único e mesmo sentido? A técnica    enquanto domínio sistemático e sistêmico da natureza nos domina    igualmente, nós que somos parte da natureza? Neste sentido, como    afirma Heidegger, a técnica moderna não é meio (instrumento), não    pode ser pensada com as categorias próprias da época artesanal. Assim como a máquina não é, do ponto de vista da “essência da técnica” para Heidegger, “instrumento independente”, na definição de Hegel (próxima a de Simondon). Por não ser meio é que a técnica se constitui como    sistema. A técnica se estrutura em sistema precisamente na medida em    que não pode ser entendida como meio, do mesmo modo como para    Saussure, observa Stiegler, a evolução de uma língua, sistema complexo, escapa às determinações dos seus falantes. Do que se segue    que a máquina, como o próprio homem, são de fato dependentes,    comissionados, meios auxiliares do sistema técnico. 

A técnica moderna como sistema próprio é para Heidegger “provocação”, “arrazoamento”    dos recursos. Observa igualmente Stiegler que, ao definir a técnica    como um “modo de desvelamento”, Heidegger ultrapassa o nível    antropológico previamente estabelecido da questão da técnica. Ora, a    sistematicidade, afirma    Stiegler, pertence ao domínio da técnica    enquanto tal, isto é, é anterior à técnica moderna. Como então    discernir e descrever o funcionamento sistemático da técnica moderna    como “provocação”? O conceito de programação de Gille pode trazer uma resposta inicial ao problema. A técnica moderna se caracteriza pela    sua dimensão de planificação e programação. Enquanto tal, a    programação significa uma ruptura nas condições da evolução técnica. 

A planificação técnico-econômica é intervenção no sistema técnico que produz consequências não previstas sobre os sistemas social e    cultural. A programação do sistema técnico traz assim o risco de uma    desordenação, de um desequilíbrio geral. Nos encontramos, deste modo, segundo a hipótese de Gille, face a um novo sistema técnico que      demanda ajustamentos com os demais sistemas constitutivos da    sociedade. Resta saber se os demais sistemas, observa Stiegler, são    de fato “ajustáveis” no sentido de passíveis de programação e, sobretudo, se a ideia subjacente de uma nova estabilidade se coaduna    com a observação da velocidade, isto é, da aceleração atual das    mudanças técnicas gerando um sistema técnico em si mesmo cronicamente instável e, neste caso, a própria ideia de ajustamentos e de    estabilidade visada se problematiza profundamente.

Em Leroi-Gourhan encontramos uma reflexão antropológica sobre o    ajustamento entre a técnica e o social: a relação entre o étnico,    (designando a unidade do social) e a técnica como fundamento da    antropologia, mais precisamente, segundo Stiegler, a caraterização    essencial e portanto originária, do antropológico pelo tecnológico.    

Questão abordada, inicialmente, pelo ângulo da difusão dos objetos    técnicos e posteriormente sob o prisma da invenção nos agrupamentos    étnicos por meio do conceito de tendência técnica - a evolução das    técnicas como independente das determinações étnicas, atravessando a    história e a geografia.

Algumas observações de Marx sobre a história da tecnologia ou os    meios de produção humanos, os órgãos produtivos sociais, comparados a uma história darwiniana dos órgãos animais ou meios naturais de    produção e reprodução da vida – a “tecnologia natural”, focam a    centralidade da produção e portanto da técnica (modo de ação    sistematizada) como mediadora entre o homem e a natureza, como momento essencial do processo formador do humano.

Através dos conceitos de Marx, Gille, Simondon, Leroi-Gourhan e    Heidegger trata-se, para Stiegler, de pensar as relações entre    técnica e tempo como a questão da invenção. De compreender a dinâmica do sistema técnico e pensar uma teoria da evolução técnica. De    refletir sobre    o determinismo técnico, entre os modelos físicos ou    biológicos e seus limites: o objeto técnico é um ser organizado    inorgânico, a evolução técnica introduz uma ruptura na evolução    biológica. De problematizar a oposição entre entes técnicos e entes    naturais, cuja linha de demarcação é, segundo Aristóteles, a da    autorreprodução.

Pensar, com Gille (Histoire des techniques, 1977) e sua concepção do    sistema técnico como interdependência estável de elementos num tempo    determinado, a questão da passagem de um sistema técnico a outro.    Pensar, com Leroi-Gourhan, a questão da evolução sistemática da    técnica e da relação entre etnicidade e técnica, tendo em vista o    papel aparente da técnica contemporânea de desenraizamento,    nivelação-homogeneização dos processos, das identidades e destruição    das diferenciações étnicas. Pensar, com Simondon, a questão do    sistema técnico contemporâneo e do objeto técnico e do processo de    concretização aplicado a ambos. 

A questão da evolução da técnica, ou a técnica no tempo, se desdobra    na hipótese da técnica como constituindo o tempo: a relação    (identidade) entre tecnogênese e antropogênese. A temporalidade    refletida na antropologia, ponto de partida aqui, será posteriormente confrontada à temporalidade elaborada na analítica existencial.

“A invenção do homem”, título geral desta primeira parte de    La    technique et le temps, nos traz algo como ecos longínquos (como uma    espécie de “inversão temporal” a-dialética)    da temática    estruturalista e foucaultiana do “desaparecimento do homem” do século XX tardio. Trata-se para Stiegler, inicialmente, de engajar a    história e a antropologia, a história das técnicas (Gille), de um    lado, a hominização vista pela antropologia e a arqueologia (Leroi-    Gourhan), de outro, e de seus materiais e , principalmente, da    reflexão metodológica(como uma espécie de meta-metodologia) explícita ou implícita, ou seja, a metodologia no ato, extrair (re-produzir,    re-constituir, re-inventar) conceitos, resultados e perspectivas para a reflexão filosófica. 


Paradoxo: a técnica é sempre específica, nunca geral, ao mesmo tempo    em que toda técnica existe em relação com outras técnicas, nunca    isoladamente, observa Gille. Igualmente, a lógica do desenvolvimento    técnico não é de todo autônoma. O conceito de “sistema técnico”, como resultado e estruturação da história realizada e em curso, se faz    necessário para dar conta da complexidade e dificuldade da questão da evolução técnica e das relações entre o fato técnico e os outros    fatos e fatores da vida social e da história (economia, política,    demografia, etc.). O sistema técnico é unidade temporal,    estabilização provisória, no interior da qual se desenha uma    coerência relativa em torno a uma técnica “principal”. Os limites de    um sistema técnico explicam sua permanência e suas transformações, a    ruptura de equilíbrio por causas endógenas e/ou exógenas, como por    exemplo, as imposições da racionalidade econômica sobra a    racionalidade técnica como freio à inovação. 

Duas modalidades de    progresso técnico se desenham: de um lado as consequências de uma    inovação que ocorre no interior do sistema e o desenvolve, de outro    lado o desenvolvimento se dá pelo desequilíbrio no interior do    sistema causado por inovações que o ultrapassam e exigem a    constituição de um novo sistema ao redor de um novo ponto de    equilíbrio, uma nova técnica “dominante” . Novos sistemas técnicos    são resultados de processos de descontinuidade. A invenção técnica    difere da invenção científica de modo essencial. Evolução técnica e    evolução científica não se recobrem de modo simples. A lógica da    invenção técnica, que pertence ao mundo da empiria, não é a mesma    lógica do progresso científico, que se dá primeiramente no universo    da formalização científica. A invenção tecnológica é função do    sistema tecnológico e suas disposições ou relações internas no tempo e no espaço atual, somada às disposições externas que o condicionam.    A invenção tecnológica responde à exigências outras que a disposição    única que tem origem no inventor. Deste modo, constatamos uma lógica    da técnica, uma tecno-logia como lógica específica e autônoma. O que    nos conduz à questão de uma racionalidade própria da técnica e, como    tal, universal, objeto das reflexões de Leroi-Gourhan e de Simondon    que abordaremos em novo texto. 

A questão central é, neste caso, a da    universalidade da técnica e o que esta universalidade deve significar para as relações entre o sistema técnico e os demais sistemas    sociais, a economia, a cultura, etc. Questão crucial que é a da    técnica no tempo, isto é: na história, ou seja, na vida hoje e suas    transformações em curso. Assim como nos descobrimos no tempo,    enquanto tempo, no dizer de Heidegger, com Stiegler nos descobriremos talvez na técnica como possibilidade, como devir tecno-lógico que ,    como observou o autor no início desta reflexão, não é outro que o    nosso próprio devir.


Notas

(1) Conforme, por exemplo, as análises de Stiegler em seu livro “La Telecracie contre la Democracie”, 2006

(2) Ar-raisonnement em francês, Ge-Stell no original alemão. O termo é traduzido como arrazoamento por Ernildo Stein:    Heidegger, M., Identidade e Diferença, Col. Pensadores vol. XLV p.382, S. Paulo: Abril Cultural, 1973. Ge-stell é    geralmente    traduzido em inglês por enframing.

(3)    A velocidade é tema central da reflexão original e    penetrante de Paul Virilio sobre a experiência, a história e a cultura do século XX tardio, autor que está,    curiosamente talvez, ausente das referências teóricas e    bibliográficas dos trabalhos de Bernard Stiegler. Assim    como está ausente a obra pioneira de Jacques Ellul sobre o    “sistema tecnológico” do século XX.

                                                                     

PDF: https://filosofia.fflch.usp.br/sites/filosofia.fflch.usp.br/files/marcelo_guimaraes_lima_posdoc.pdf


Este ensaio foi escrito no âmbito do programa de pós-doutorado do Departamento de Filosofia da USP, São Paulo, sob supervisão da Profa Dra Marilena Chauí    

Pesquisador(a): Marcelo Guimarães da Silva Lima
Arte e tecnologia – reflexões sobre as novas formas do real, da representação e da subjetividade.
Supervisor(a): Marilena de Souza Chaui
Vigência: 26/04/2013 - 28/03/2016




 

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