Giovanni Guaccero e a música popular “ítalo-brasileira”
Marcelo Guimarães Lima
O que seria a música “ítalo-brasileira” de Giovanni Guaccero? Resposta: as formas da música popular brasileira recriadas a partir da maestria e da sensibilidade do compositor italiano, nascido e radicado em Roma. Em vários sentidos, as canções de Giovanni Guaccero são, ao mesmo tempo, criativamente fiéis à matriz brasileira e uma expansão individualizada desta por um músico de grande talento.
Seria possível dizer que Giovanni Guaccero pratica a antropofagia oswaldiana “em sentido inverso”, e a música popular brasileira atravessa o oceano para ser “deglutida” e recriada nas terras da Itália em modo semelhante, diríamos, à apropriação e recriação de formas musicais europeias que deram origem, por exemplo, ao choro como matriz musical brasileira na passagem dos séculos XIX e XX.
Giovanni Guaccero é um compositor de formação e produção erudita que traz para a música popular o domínio da forma musical estruturada, enriquecendo o gênero popular com nuances, formulações, perspectivas e sonoridades outras, sempre preservando o espírito de intimidade, de familiaridade, de reconhecimento imediato do ouvinte e para o ouvinte que é próprio da música popular. Na música brasileira o trânsito entre o erudito e o popular, como uma espécie de via de mão dupla, é representado por nomes como Villa-Lobos, Radamés Gnatalli, Pixinguinha, Tom Jobim, Egberto Gismonti, entre vários outros.
Num concerto no Japão em meados da década de 1980, Tom Jobim, refletindo sobre a recepção da música brasileira pelo público japonês, destacou a característica da “suavidade” como qualidade comum entre a expressão estetica da cultura japonesa e a expressão musical brasileira, especialmente a Bossa Nova. “Suavidade” que podemos entender como sutileza, riqueza de nuances, sofisticação, e, ao mesmo tempo, como acuidade, como expressão ao seu modo incisiva e envolvente, sedutora em seu contínuo fluir.
O que se destaca das canções de Giovanni Guaccero é propriamente esta suavidade incisiva e sedutora. O fluir criativo, inventivo de melodias e harmonias de notável beleza nas quais, como ouvinte, reconhecemos imaginativamente formas próprias, formas de nossa intimidade, formas aguardadas. A intimidade que caracteriza a música popular pode ser entendida como uma espécie de “conversa” musical entre o compositor, juntamente com o intérprete, e o ouvinte, uma espécie de comunicação representada entre intimidades em reconhecimento comum na forma musical e na poesia que a complementa.
Marcelo Guimarães Lima,
Giovanni Guaccero no piano na apresentação
de seu CD Canto Estrangeiro em Roma, 2022
No seu último CD intitulado “Canto Estrangeiro”, Encore Music - 2022 (https://www.encoremusic.it/wp_2021/prodotto/canto-estrangeiro/), as brilhantes participações do poeta-letrista Luís Elói Stein (https://eloistein.wordpress.com/) e da cantora Tatiana Valle (https://www.tatianavalleofficial.com) realçam o escopo e a qualidade das composições. Os versos do poeta nos convidam à partilha, no modo imaginário, de experiências vividas, sendo a imaginação aqui a dimensão ou o processo que realça a verdade íntima das vivências representadas. A bela voz e o domínio da expressão musical de Tatiana Valle complementam e realçam as composições de Giovanni Guaccero. Participam igualmente no CD, o duo Choro de Rua com a flautista italiana Barbara Piperno e o violonista brasileiro Marco Ruviaro.
E para que o leitor não se fie apenas em palavras, mas ouça e aprecie de forma autônoma as canções do compositor, aqui deixamos um link. A constatação final, acredito, é de que o “canto estrangeiro” de Giovanni Guaccero é canto de todos nós.
https://aterraeredonda.com.br/canto-estrangeiro/
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