Chuck Close em Chicago (1998)

MARCELO GUIMARÃES LIMA



Chuck Close - Big Self-Portrait, 1967–1968, exposição Close Portraits, 1980.
 Photo courtesy Walker Art Center, Minneapolis.


Até 13 de setembro [1998] o Museu de Arte Contemporânea de Chicago apresenta exposição retrospectiva do pintor americano Chuck Close. Organizada pelo crítico de arte Robert Storr, curador do Departamento de Pintura e Escultura do Museu de Arte Moderna de Nova York, onde a mostra foi inaugurada no primeiro trimestre deste ano, a exposição apresenta três décadas de trabalhos do pintor norte-americano (nascido em 1940), cuja temática exclusiva tem sido o retrato, mais precisamente, o retrato fotográfico de amigos, conhecidos e colegas artistas, quadriculado, aumentado e reproduzido manualmente na superfície da tela em um lento e laborioso processo de escrutínio da superfície da fotografia e sua reprodução em grandes proporções.

A obra de Chuck Close surgiu no contexto do hiper-realismo dos anos 60 e 70 e, como tal, foi inicialmente identificada. Em nível conceitual, no entanto, como observaram alguns críticos, ela revelava igualmente certas afinidades com o minimalismo e a arte conceitual - a insistência no processo “modular” de construção da imagem e o duplo distanciamento da realidade do objeto descrito, a face humana. Por meio da mediação fotográfica e pelo próprio processo "exaustivo" e "mecanizado", cumulativo e repetitivo, do uso do gradiente (grid), reproduzindo manualmente o processo tecnológico da impressão gráfica (retícula, separação de cores), a pintura de Close produzia um distanciamento emocional da "realidade humana" que seus quadros aparentemente "descreviam" de modo meticuloso.

Em seus trabalhos iniciais, o artista utilizava-se do airbrush (aerógrafo), evitando desse modo as marcas do pincel e qualquer alusão a uma “caligrafia” pessoal, enquanto expressão do pintor e marca de autoria. Um exemplo dessa fase inicial é o autorretrato em preto e branco entitulado "Big Self-Portrait", acrílico sob tela (2,73m x 2,12m), pintado em 1967/68, em que o próprio Chuck Close, barba rala, os cabelos desarrumados, um cigarro na boca e expressão algo debochada de um jovem artista, como o retrato de um boêmio “nonchalant”, entre o impassível e o idiótico, confronta o espectador e oferece a face ao escrutínio público. A frontalidade, a superfície homogeneizada da pintura e as grandes proporções do retrato criam, nessa e em outras obras, um jogo entre descrição tátil (na qual, aparentemente, o artista quis reproduzir cada estria, marca, poro, pêlo e fio de barba ou cabelo), a criação de volume e o plano da tela. A imagem pintada remete à visão característica da lente fotográfica, delimitando áreas focadas e desfocadas (centro e periferia da visão), que o pintor reproduz fielmente, e resulta no duplo estranhamento da face e da imagem.

Se a temática do retrato se manteve constante desde os anos 60, o processo da pintura apresentou variações nos materiais (aquarela, pastel, acrílico, polpa de papel) e na aplicação dos materiais, incluindo, entre outros instrumentos, o airbrush, pincéis, e a pintura a dedo por impressão digital. Na aquarela intitulada "Phil" (1977, 1,47m x 1,01m), por exemplo, o gradiente (ou seja, o método de construção da imagem) passa ao primeiro plano. O intervalo entre os elementos mínimos da imagem passa a ser parte da figura, e o jogo entre o contínuo e o descontínuo da visão, o todo e as partes, se afirma. Nele estão dados os elementos da evolução da pintura de Chuck Close em sua fase mais recente.

Em 1988, um acidente vascular paralisou o artista. Por meio de tratamento intensivo e com enorme força de vontade, ele recuperou o movimento do tronco e das mãos. A partir daí, confinado a uma cadeira de rodas, o artista retoma a pintura, adaptando fisicamente seu estúdio e seus instrumentos de trabalho a sua nova condição e retomando a temática do retrato. O resultado é uma nova fase estilística em que os elementos básicos do gradiente, isto é, as unidades do quadriculado, são tratadas com maior liberdade de invenção colorística, textural e formal. Os retratos ganham desse modo uma nova vibração e uma nova dimensionalidade, como mosaicos, cuja superfície reflete e irradia luz e cor em cada um de seus pontos. A continuidade tonal da imagem fotográfica é recriada no plano ótico num processo que traz à lembrança tanto algo da ciência pictórica de Seurat e dos neo­-impressionistas quanto a imagem digitalizada contemporânea e suas manipulações por meio de filtros etc. Em seu autorretrato de 1995, por exemplo, o contraste entre os retângulos coloridos e a imagem introduz uma dimensão que podemos talvez denominar mais lúdica e que se sobrepõe ao drama da facticidade que marca a produção de retratos de Chuck Close. Por outro lado, cabe, talvez, observar que a facticidade, numa cultura cujas bases se assentam no empirismo e no individualismo, não é nunca completamente “dramática”. Nesse sentido, a arte de Close pertence ao solo da cultura americana moderna e aos limites de sua auto percepção.

A presente exposição retrospectiva é organizada cronologicamente, o que permite assistir à evolução ou às transformações da obra do artista. No caso de Chuck Close (como no de determinados artistas), cuja evolução é feita de variações de um único tema, a convivência de um grande número de obras corre o risco de ter o impacto diluído, em vez de concentrado. Nesse sentido talvez falte à mostra uma dimensão mais analítica ou um engajamento maior com as questões da arte e da cultura americana a partir dos anos 60, da qual a obra de Chuck Close é parte.

Marcelo Guimarães Lima é artista plástico, professor da Universidade de Illinois (EUA) e crítico de arte da revista "New Art Examiner" (Chicago) - 1998

publicado originalmente na Folha de S. Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq03079815.htm




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