A OBRA DE CHRISTO JAVACHEFF

MARCELO GUIMARÃES LIMA 





Christo, Valley Curtain, Colorado State Highway, 1972


Christo e sua obra intervindo na paisagem 

apresentação da exposição: 

CHRISTO - ambiente / monumento - gravuras e projetos
Christo Javacheff (1935-2020) 

Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
15 de setembro a 15 de outubro 1989 


Produtora de acontecimentos: intervenções literais e grandiosas na paisagem urbana e na natureza (o ‘'empacotamento" do Kunsthalle em Berna, 1968, do Museu de Arte Contemporânea de Chicago, 1969, da costa australiana em Little Bay em Sidney, 1969, o Valley Curtain no Colorado em 1972 entre outros feitos famosos) a obra de Christo enquanto processo e espetáculo se apresenta igualmente como matéria imediata de inumeráveis registros documentários onde o efêmero do objeto contrasta com a retenção detalhada de sua concepção e realização. 

Desenhos, planos, foto-montagens e litografias realizadas com uma "casualidade” cuidadosamente estudada e elegante, antecipam e representam as presenças efetivas de objetos e marcas gráficas monumentais inscritas, ainda que momentânea mente, na realidade do mundo como a propor uma nova e gigantesca cartografia da paisagem cultural e artística de seu tempo. 

O caráter público de sua realização fatual implica o confronto de energias coletivas, sociais, econômicas, institucionais, na realização dirigida de um plano cuidadoso. Neste confronto o cotidiano coteja o extraordinário constantemente. Haveria aqui, nesta obra múltipla e como que conscientemente restrita, curiosamente obcecada por uma mesma “ideia”: a manifestação constantemente frustrada de um sentido cósmico e quase-romântico da ação artística e do artista ele mesmo como um novo e inflacionado demiurgo.



Em sua gênese a partir do Nouveau Realisme francês dos anos 1960 a obra de Christo reiterava, ocultando, o “mistério” banal e literal das próprias coisas embrulhadas, empacotadas, furtadas ao olhar e quem sabe mesmo ao tempo. Redimensionado e engrandecido, o gesto do artista revela que a paisagem pode ser marcada por signos intencionais que, na sua própria literalidade "não funcional", apontam um outro momento; que, num certo sentido, desafiam o “azar” das constituições visíveis do coletivo humano, mas que, ao mesmo tempo, não se dão enquanto qualquer alternativa de redesenhar a paisagem, refazer ou acrescentar à história e à natureza, mas servir talvez como monumento ao possível, a um possível vislumbrando ou vivido num sonho, como aparição (para utilizarmos a expressão de D. Laporte) ou fantasma: anti-utopia do gesto e da memória. 

Na obra de Christo, habilidades e materiais são desviados de sua funcionalidade habitual e adaptados a outras serventias. O tempo exíguo, precário da contemplação do esforço humano realizado è também momento inicial da decadência do construído. A beleza é aqui aparição, é o que, furtando-se ao tempo, não pode e não deve durar, que sobrevive talvez na narrativa do extraordinário mas como o avesso do mito, pois o mito deseja reter na repetição (narrativa e/ou ritual) a integridade e o vigor da origem. Neste sentido, e também na ironia que constantemente a persegue, mas nela não se realiza nunca completamente, a obra de Christo é a mitologia possível de nosso tempo. 

Marcelo Guimarães Lima


https://archive.org/details/m-g-lima-a-obra-de-christo-mac-1989/page/1/mode/2up

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